Papo de Terreiro: Borí - O CULTO À ALMA

Borí - O CULTO À ALMA


Borí - O CULTO À ALMA


O Borí é um dos rituais mais importantes do Awó (Culto Africano), por consequência, também  dos Cultos Afro-brasileiros, como o Candomblé. É o único ritual capaz de tratar da Alma e da Cabeça de uma pessoa, além de ser uma das últimas instâncias no que se refere a tratamento de um Destino. Entretanto, muito pouco é conhecido sobre este ritual, e há muita confusão ainda circulando tanto no meio do Culto, como também fora, e principalmente na Internete… é pertinente informar que existem muitos rituais com o nome de “Borí”, que em suma: todos comem, menos o Orí…
Devido a isto resolvi discorrer sobre este ritual e sua importância, sem ferir o voto de silêncio que o Culto exige, e que somente deve ser passado aos que atingirem a devida graduação no Culto. Acreditem que, apesar de preservar os segredos jurados, ainda se pode discursar muito sobre este assunto, inclusive para os leigos, pois é um ritual não só muito profundo e elaborado, mas também muito bonito! Ouvi de quase todas as pessoas que passaram pelo Borí: “Parecia o meu Aniversário!!” E é algo que eu acredito que todos devam saber, pois é um bem para todos! Afinal, este ritual não se restringe apenas às pessoas do Culto, como alguns devotos desavisados pensam, mas estende à todas as pessoas que necessitarem tratar ou fortalecer Orí – A Alma!
Antes de continuar a dissertar sobre o Borí é necessário conhecer um pouco sobre Orí, que é o objecto de Culto deste ritual. Orí em Iorubá significa cabeça, contudo, no Awó (Culto Africano) Orí possui um conceito muito mais amplo. Pois o conceito de Orí se divide em: Orí Odé e Orí Innú.
Orí Odé, que significa cabeça externa, se refere à cabeça física, o crânio, o cérebro, a face, a nuca, etc… contudo, também inclui a nossa personalidade, aquela que todos conhecem desde o nascimento.
Orí Innú, que significa cabeça interna, se refere à cabeça dentro da cabeça, a cabeça que comanda a cabeça externa, portanto o nosso “eu” que sequer nós mesmos o conhecemos, mas que nos conhece  antes mesmo de termos nascido. É o nosso “Eu Superior”, ou nossa Alma. Orí Innú é o Orí a que sempre nos referimos no Awó (Culto), pois Orí Odé é confiado a Osaniyn e Ogun, ou seja, à medicina e à cirurgia, que não são para Orí Innú, que exige apenas um único tratamento, oBorí!
Enquanto Orí Odé é apenas uma casca, um veículo para a Alma cumprir sua missão divina aqui no Aiyé (Plano Material), Orí Innú é o nosso verdadeiro eu  que  conhece o nosso Destino, e quem conduz Orí Odé a cumpri-lo mesmo sem saber. Em nosso Orí está além  de nossa Alma Divina e Eterna, o nosso Odú (Destino), pois nosso Orí Odé, ou seja, nós aqui no Aiyé, somos fruto do desejo de Orí Innú em transcender e aproximar-se mais de Olórum (Deus).  Foi Orí quem se ajoelhou diante do Pai Supremo e lhe pediu mais uma existência terrena (Orí Odé), pois a evolução se faz aqui, no plano terreno, por isso a Terra e Sua Personalidade Divina, a Mãe Terra (Onilé para nós do Culto) é sempre tão reverenciada e importante, todos os juramentos são cumpridos nela!  Esse pedido de Orí (A Alma) é chamado de Akunleyan (eu ajoelho e peço), então Olórum (Senhor do Plano Espiritual – Deus) lhe cunha o Ayanmó Ipín (Destino que lhe é imposto, segundo os Desígnios de Deus, e também segundo as acções passadas cometidas em outros Orí Odé [existências terrenas], o que seria o conceito de Karma Hindú), então é ajustado o Akunleyan, todos os acertos para que ambas as necessidades sejam atendidas naquela existência. Este contrato entre Orí (A Alma) e Olórum (Deus) definindo o Roteiro de existência de Orí Odé, é fechado também com um Odú (Destino) que deterá este Contrato  e o regerá durante a existência de Orí Odé.  Isto tudo é realizado diante de Orunmilá, que detém o título de Eleri Ipín (Testemunha do Destino), e é o escrivão de Olórum, e testemunha de tudo o que se passa desde a Criação, por isso é o Senhor do Oráculo, a quem sempre recorremos para saber o que se passará em nosso Destino, e se o estamos cumprindo ou não. Pois Orí Odé, por possuir a Liberdade de Acção, mais conhecido popularmente por “Livre-Arbítrio”, concedido por Olórum, pode recusar-se, por capricho ou medo, de cumprir este Destino, trazendo imenso prejuízo à Alma e a todos os compromissos fechados com as outras Almas e com a Criação como um Todo, somando ainda mais angústias e problemas tanto à sua breve existência aqui no Aiyé (Plano Material), como também angústias e problemas para Orí Innú na Eternidade.  Desta forma, o Oráculo (Ifá), regência de Orunmilá, seja na forma dos Ikins, ou Opelé ou dos Cauris (Búzios), é o primeiro passo em qualquer circunstancia dentro do Culto: “Tudo começa em uma mesa de Jogo”.  Porque ele pode nos revelar todo o acordo que foi feito naquele Dia do Destino, assim como nos revelar qual é o Odú que rege o nosso Destino, e nos informar todos os Caminhos e “DesCaminhos” de nosso Destino, assim como também nos indicar as fórmulas reparadoras!
Como podemos ver, acima de tudo e de todos os Orixás, está Orí, que além de ser um Orixá em si, é o nosso principal, pois sem ele, Orí, nem nosso Orixá poderá nos abençoar ou proteger.  Pois como reza o Oriki: “Ko sí Òòsà tí i dá´ni gbè léhìn Orí eni” (“Nenhum Orixá abençoa uma pessoa antes de seu Orí”). Portanto se faz tão fundamental o ritual do Borí. É sem dúvida, o ritual mais importante do Candomblé.
O Culto a Orí é fundamental, pois além de ser a única forma de cultuar, alimentar e tratar a nossa Alma, que é a Causa de toda a nossa existência e Razão, já que é na sua Transcendência que reside o Sentido Último de Tudo, também porque é tratando de Orí que poderemos chegar à saudável Conclusão de Nosso Destino e Missão. E, até mesmo para mudar o nosso Destino, é inevitável tratar de Orí. Pois mesmo com o nosso contrato de Destino já fechado, o Awó (Culto) nos diz que é possível através de Kadarà, oportunidades e propiciação,  mudar o nosso Destino, e deixá-lo mais ao nosso gosto, e isso é absolutamente legal no que tange à espiritualidade, pois faz parte das Leis Divinas que regem o Universo e o Destino.  As oportunidades podem ser verdadeiramente aproveitadas, somente mediante a Orientação Divina do Oráculo, que nos pode conduzir no aproveitamento de todas as Oportunidades sem que nos traga prejuízo. Pois a nossa Liberdade de Acção, mais conhecida pelo termo criado por Santo Agostinho: Livre-Arbítrio, somente não nos prejudica quando estamos sob orientação divina, caso o contrário, nosso ego nos conduz sempre a DesCaminhos de nosso Destino, e assim ao Prejuízo e ao Sofrimento. Desta forma, é somente com o Oráculo que se pode tomar conhecimento dessas oportunidades que são verdadeiras encruzilhadas em nosso Destino, e, que se bem aproveitadas podem mudá-lo por completo. Quem não se lembra de uma oportunidade dessas em sua Vida? E com certeza, lembra-se com a tristeza de não a ter aproveitado… ou porque não notou, ou porque não soube aproveitá-la. Kadarà é relativa à propiciação, pois podemos, através de Tratamento Espiritual adequado: através de ebós, e sobretudo, do Borí, propiciar um Caminho em nossa Vida. Pode-se nesse caso não somente mudar a Sorte em relação a uma situação emergencial e conseguir o desfecho desejado. Como se pode “semear” para depois “colher” uma determinada situação em nossa Vida. E tudo isso passa, sem dúvida, por Orí!
Existem vários tipos de Borí, e cada um deles para um fim específico. Somente Sacerdotes do Culto bem formados, com o seu ciclo básico de 7 anos, a partir da Iniciação, tendo após a maioridade no Culto, feito as devidas obrigações litúrgicas e o treinamento espiritual e religioso exigido pelo Culto podem efectuar qualquer Borí, mesmo o mais simples.  Como viram Orí é coisa muito séria, e quanto menos pessoas colocarem a mão em seu Orí, tanto melhor, pois Orí é o bem mais precioso que uma pessoa possui, não deve ser confiado a todos indiscriminadamente. O Borí se divide, a princípio, em dois tipos:
 Borí para restauração, ou tratamento de Orí
E este pode ser realizado até para quem não pertence ao Culto, mas é para todos os que necessitarem tratar de seu Orí. Não criando vínculo nenhum com a Religião, pois trata-se tão somente de um Tratamento Espiritual.  E se divide ainda em vários tipos, dependendo do tipo de necessidade:
1-     Borí Omi Tutú (Borí de Água fresca): é o mais simples, utiliza-se sobretudo de um Obi Batá (obi de 4 gomos) que é o principal alimento de Orí, e simboliza-o. Além do Obi, água fresca, vela e alguns outros pequenos segredos. Este Borí é realizado para as pessoas que estão com a “cabeça-quente”,ou seja, com o Orí alterado, que pode causar: fortes dores de cabeça, ou enxaquecas que não conseguem passar sequer com medicação; irritação e agressividade; descontrole emocional, estresse, ou ainda “cabeça-fraca”: desgaste físico e emocional, falta de memória, falta de concentração, etc. O Orí alterado pode ainda prejudicar os Caminhos: desencontros, falhas, inúmeras adversidades, incapacidade em atingir objectivos, muita perturbação em todas as situações, aliás, geralmente é a própria pessoa que, sem querer, traz toda esta perturbação à tudo, como um Toque de Midas, só que ao contrário… O Borí Omi Tutú refresca o Orí, renovando as forças mentais, físicas e psicológicas, assim como a saúde e vitalidade da pessoa, e pode também refrescar os Caminhos: Normalizar o ritmo, refrescar todas as situações propiciando o sucesso em cada uma delas. Trazer clareza ao Caminho, facilitando qualquer tomada de decisão, assim como facilitando o melhor aproveitamento de tudo ao redor e de cada experiência.
2-     BoríEjá (Borí de Peixe): Este é o famoso “Borí de Saúde”, utiliza-se dos mesmos ingredientes e segredos do Borí anterior, mas leva ainda comidas especiais à Orí e, como o próprio nome indica, o Peixe. Este Borí é muito utilizado quando a Saúde da pessoa está muito baixa, e sua vitalidade não pode lhe garantir o restabelecimento. Assim pessoas muito idosas e muito abatidas podem renovar sua Saúde e Vitalidade, ou pessoas que tem doenças muito graves, ou enfermidades que recusam-se a sanar, podem recorrer a mais este instrumento que pode renovar a Força e a Vitalidade de seu Orí, renovando sua Saúde e Vitalidade, tanto física, mental e psicológica. Tive gloriosas experiências com este Borí, e já vi muitos exames mudarem depois das pessoas passarem por este Borí. É realmente algo de milagroso e sinto-me privilegiado por ter tido a oportunidade de presenciar tais experiências. Contudo, o BoríEjá, não é somente para Saúde, mas também é um grande fortalecimento de Orí, podendo ajudar também nos Caminhos: Conquista de um Objectivo (ou profissional ou académico), Renovação ou Optimização do Ritmo da Vida (sobretudo para empresários que necessitavam revitalizar o próprio negócio ou a Carreira), Ou simplesmente Mudar a Vida para obter maior satisfação.
3-     O BoríAxé (Borí de Força): este Borí é somente para as pessoas que não se incomodam, e compreendem a necessidade do sacrifício de Animais. E é o mais forte de todos os Borís, pois utiliza-se dos ingredientes e segredos de todos os Boris citados, mais outros segredos e o Axé do Ejé (sangue) dos animais. Este tipo de Borí não pode ser dado para as pessoas enfermas, por isso o BoriEjá (Bori de Peixe) é a sua substituição para estas pessoas, pois a Força de um BoríAxé pode ser até prejudicial a pessoas que já estão muito debilitadas fisicamente, tamanha a sua Força. Este Borí é a última instância no que tange à Orí, e o que não puder ser conquistado, ou mudado, através deste ritual, provavelmente não poderá ser conquistado por ritual algum.
Além destes Borís de Tratamento, existe os Borís de iniciação, estes se prestam somente às pessoas que ingressarem no Culto, pois são rituais para assento de Orí, a Alma, para optimizar a sua Transcendência, enfim, para aqueles que desejam transcender, ainda nesta Vida, o ciclo de reencarnações,  e residir definitivamente no Orum Rere (Paraíso) junto a Olorum (Deus). Também para fortalecer a acção do Orixá (Anjo-da-Guarda) dessa pessoa, pois a Força do Orixá depende de quanto o Orí daquela pessoa lhe permite actuar, e para as pessoas do Culto, como é importante poder contar com toda a Força, Orientação e Protecção de seu Orixá, deve antes de assentá-lo, propiciar Orí. Até mesmo para gozar de toda a Força para o Assentamento de seu Orixá é necessário que Orí esteja forte para poder receber e suportar toda a Força que o Orixá enviará até o devoto no momento do Oró (Ritual). Estes Rituais de Culto à Orí são mais secretos, e somente serão revelados aos iniciados no devido momento.
Enfim, o Ritual do Borí é a única forma de se Tratar de nosso Orí – Alma, e um eficaz método de conduzir o nosso Destino, com Saúde, Vitalidade, Muita energia e Sucesso! E mais uma ferramenta disponível para o Bem-estar do Homem devoto e ético.  E o mais importante Culto do Awó africano, e por consequência do Candomblé Afro-brasileiro. Esta matéria é mais uma forma, ainda que, de “a grosso modo”, de dividir este Conhecimento Sagrado com todos, para dispor a todos, novos, e esplendorosos Caminhos para tornar a nossa Vida mais Vida!
Axé!!