Papo de Terreiro: 2014

Egungun (1964) - Álbum Completo - Full Album

LP lançado em 1964 pela Secneb (Sociedade de estudos da cultura negra do Brasil), um dos primeiros registros do culto lesé Egun de Itaparica.




LP lançado em 1964 pela Secneb (Sociedade de estudos da cultura negra do Brasil), um dos primeiros registros do culto lesé Egun de Itaparica.

Faixas:
Lado A:
01. 00:00 Iba Orisha Iba Onile - Saudação a Onilé no início de cada cerimônia.
02. 02:00 Osanyin - Nesta faixa são entoados três cantos louvando a Osanyin, patrono das folhas e da medicina.
03. 03:46 Egunugun Kigbale - Através deste cântico os ancestrais são chamados a entrar e incorporar-se no mundo dos vivos.
04. 05:44 Ewo Nile - Aviso de chamada, alguma coisa está para acontecer. O ancestral vai chegar.
05. 07:21 Oro Abi Oro - Este cântico expressa o significado do rito, reencenando as ligações com a comunidade, trazendo a bondade, felicidade e bem-estar.
06. 08:43 Onile Mo Bodo Ile - Baba está chegando, ele anuncia-se, saudando os anciões e pede permissão para vir até o barracão.
07. 10:44 Nile Wa Alagbe - Baba canta, incentivando os Alagbês, os músicos-sacerdotes.
08. 12:18 Agboula Ago Nile - Quando Agboula vem ao mundo, todas as coisas se tornam felizes.
09. 14:00 O She Wara Wara - Dois cânticos em homenagem a Xangô, ancestral divinizado da dinastia real de Oyó, onde ainda pode-se encontrar vestígios da comunidade Agboula, suas origens na África. Muitos dos Eguns reverenciados hoje, foram em vida, adoradores de Xangô.

Lado B:
10. 16:38 Saudações a Baba Olukutun, chefe de todos os antepassados / Loni Ojo Odun - Dois cânticos de grande alegria no festival anual de Baba Olukotum. Uma explosão de fogos intensifica a cerimônia.
11. 17:28 Kiye Kiye Bo Iroko - Homenagem ao Egun dos antepassados que foram reis em vida.
12. 19:31 Orisha Wa Iye - Um cântico para chamar as entidades para vir e dançar com alegria.
13. 22:01 Afulele Ade - Um canto em homenagem à Oya Igbale, rainha e padroeira dos Eguns.
14. 24:00 Omi Ro - Um dos cânticos mais profundos, que evoca toda ancestralidade do povo africano.
15. 27:26 Aluja - Os tambores tocam Aluja, o ritmo preferido de Xangô, o maior de todos reis, Alafin de Oyó, senhor da justiça, dono do fogo e do trovão.

A Tríade Musical de Sàngó

A Tríade Musical de Sàngó




Hoje vou escrever sobre três importantíssimos toques da cultura Kétu-Nàgó, aTríade Musical de Sàngó, que são ritmos de atabaques, consagrados ao Rei deOyo e que, devem ser executados subsequentes um ao outro e sem cânticos. Muito embora seja uma tríade (que alude ao número três), dois desses toques estão sendo esquecidos pela maioria dos ÒgánsBabalòrìsàs e Ìyálòrìsàs.

Primeiramente, quero chamar atenção para um fato. A maioria dos Deuses Africanos, possuí um toque que lhe pertence, sendo esse usado somente para ele e para nenhuma outra Divindade é, por exemplo, o caso do Ìgbín de Òsálá. Mas no caso do temido Sàngó, são três os toques que lhe pertencem (na verdade há outros, mas também executados para mais alguma Deidade, à exemplo do Bàtá, razão pela qual vou me ater somente a tríade). Isso mostra-nos a importância que esse Òrìsà confere ao som do tambor e, obviamente ao tambor propriamente dito.

Isso é corroborado ainda, ao pensarmos que, em algumas casas, Sàngó é considerado o Òrìsà dono do som (basta dizer que, o som que brada dos trovões, é uma das principais hierofanias - manifestação do sagrado - de Sàngó). Dos Deuses cultuados no Brasil, muito provavelmente, ele é um dos poucos, senão o único que, em vida no aye, tocou tambor, no caso o Bata (não confundir o tambor Bata, com o ritmo Bata). Há diversos Ìtan Yorùbá (histórias africana), que explicam a ligação de Sàngó, com o Tambor Bata.

Sàngó, sem dúvidas, é um dos Òrìsàs mais representado por meio do som. Além dos toques do atabaque, é invocado pelo som da chuva, emitido pelo Sèré, devidamente preparado pelos seus Sacerdotes. Tudo isso evidencia, quão importantes são os toques de Sàngó e quão importante são os toques paraSàngó. Algumas histórias, narram que antes de partir à guerra, Sàngó, dançava freneticamente ao som dos tambores, potencializando seus poderes, mantendo uma ligação da musica com o universo sacro. Destarte, toca-se muito paraSàngó, correto? Errado! (errado na crença de que isso ocorra e não na constatação de que isso deveria sim ocorrer). Por incrível que possa parecer, muito embora Sàngó goste do som do tambor e, nesse aspecto, refiro-me somente ao som do tambor (solo – sem cânticos), quase não escutamos mais o solo da sua tríade musical.

Em verdade, duas coisas estão ocorrendo de forma muito comum sobre os toques de Sàngó. A primeira é que, quase não se “sola” mais o Alujá. Quando digo “solar”, digo Atabaques (Hun, Hunpi e Hunlé), mais o Agogo (no caso de festas, como as de Sàngó, os atabaques são acompanhados pelo Sèré, por exemplo) – Sem cânticos e, é claro, com as palmas dos devotos que estão presentes para render homenagem ao Rei, proferindo a expressão Kawoo Kabiyesi Le!

A segunda constatação negativa que observamos é que, quando há o solo doAlujá, dificilmente o mesmo é acompanhado pelos seus dois toques contíguos. Nesse aspecto, é salutar destacar que, a Tríade de Toques de Sàngó é solada e, não cantada! Recordam-se do valor que Sàngó confere ao som do tambor? Vale destacar, igualmente que, o Alujá de Sàngó, é essencialmente um toque com poder evocativo (o mesmo ocorre com o Agéré, além, obviamente do Adahun) – outro valor intrínseco deste toque.

Muitos devem estar se perguntando, mas e as cantigas de Alujá? Sim, são dezenas, todas lindas. Mas nessa postagem, não estou me referindo unicamente ao Alujá e, sim, ao conjunto de toques que está atrelado ao mesmo e, que não são cantados, somente tocados.

Quando tocamos Alujá (solo), estamos evocando os poderes do Deus (lembram-se de que, antes de partir para guerra, Sàngó dançava para potencializar seus poderes?) e, principalmente começando pelo início, pelo início de uma história. Toda cantiga conta uma história, seja boa, seja ruim. No caso do solo de toques da Tríade de Sàngó, à exemplo dos cantos, também estamos contando uma história.

A relação dos três toques, executados um subseqüentemente ao outro não é ao acaso e, sim intencional. Os três toques isoladamente não refletem a importância dos três concomitantes. Afirmo isso, pois somente os três toques executados subsequentemente, conseguem contar uma parte do início da vida real de Sàngóe, se tocados em momentos distintos, não refletem o mesmo. Um Ìtan Yorùbádiscorre que:

“Em um determinado reinado, Sàngó ainda pobre, tocava freneticamente seu tambor, fazendo com que todos da cidade ficassem lhe ouvindo, admirados. No entanto, o então rei da cidade havia proibido tal prática. Ao ser comunicado queSàngó estava tocando tambor em seu reinado, o mesmo foi pessoalmente conferir. Diante do virtuosismo de Sàngó, o Rei começou a dançar, deixando sua coroa cair de sua cabeça, sendo então, imediatamente tomada por Sàngó”.

Assim sendo, quero chegar ao ponto de que a Tríade de Sàngó, faz justamente alusão a essa história. O som frenético do alujá, a coroa caindo e Sàngótomando a mesma para si!

Nada no Candomblé é ao acaso e tudo tem sua fundamentação! Espero, sinceramente, ter contribuído um pouco, para a elucidação dos toques do chamado Candomblé Kétu-Nàgó.

Por fim, objetivando ilustrar esse artigo e disseminar esses três importantes toques, compartilho aqui, essa primorosa tríade musical, executada por quatro dos maiores tocadores da atualidade (Gamo da Paz, Iuri Passos, Yomar Asogba e Robson).



Sem mais,
Opotun Vinicius

SIGIDI

Esú Sigidi

Sigidi, ou Sugudu é divinizado como o pesadelo. O nome parece significar "algo curto vultoso", e o deus, ou demônio, e é representado por uma cabeça larga e curta, feita de barro,ou, mais geralmente, por um cone grosso, cegado de barro que é ornamentado com búzios e éindubitavelmente o deus que mexe com a cabeça das pessoas.Sigidi é um deus mau, e permite o homem satisfazer o seu ódio em segredo e sem risco paraele. Quando um homem deseja se vingar de outro ele oferece um sacrifício a Sigidi que, logoapós a noite chegar, vai para a casa da pessoa indicada e o mata. 

O modo de ele proceder é se agachar no peito da vítima dele e "apertar fora à respiração dele" mas, acontece frequentemente que a divindade tutelar do sofredor venha em seu auxílio e o expulsa e a vítima desperta, caindo no chão, e Sigidi desaparece, porque ele só tem poder em cima de uma pessoa durante o sono. Esta superstição ainda existe entre os negros das Bahamasadquirida dos Iorubas e acreditam que os pesadelos são causados por um demônio que abaixando peito da pessoa que dorme. A palavra pesadelo é oriunda de uma convicção semelhante assimilada por nós vinda dos Anglo-saxões que acreditam que os duendes teriam esse poder.

A pessoa atacada por Sigidi, tem que permanecer acordada até o seu deus protetor negociar com Sigidi e dar autorização para adormecer, pois, se ele dormir antes da negociação se concluir, Sigidi vai atrás dele novamente e a missão falharia. Sigidi viaja no vento, ou aumenta-os ventos para flutuar; O primeiro sintoma que a pessoa tem quando é atacada por Sigidi, é um sentimento de calor eopressão na boca do estômago, como se tivesse comido arroz quente, fervido, disse um nativo. 

Se um homem experimenta isto quando ele está dormindo, faz-se necessário a ele buscar a proteção do deus que lhe serve normalmente.Podem ser colocadas casas e cidades debaixo da tutela de Sigidi. Para conseguir sua proteção,tem que se fazer um buraco cavado na terra e uma ave, ovelha é morta, de forma que osangue caia no buraco e o animal seja enterrado ali. 

Um montículo curto, cônico de terra vermelha é construído logo em cima da mancha, e um pires é colocou em cima para que sejam recebidos sacrifícios ocasionais. Quando um local foi colocado debaixo da proteção de Sigidi,ele mata, da maneira típica dele, os que prejudicam as casas ou a cidade com intenções ruim, (O SIGIDI é o Sigidi Onfa Sigidi significa uma imagem moldada com argila misturada com de ervas preparativa especial e o espírito adequado invocado para ele). 

A Sigidi é um poderoso espírito que é criado pelo Ologun e são enviadas em missões, algumas pode ser feitas para matar um inimigo, proteger a casa, perturbar um inimigo no sonho, ou apenas assustar as pessoas em uma casa, alguns poderiam ser sento ir e roubar (encantos etc., dinheiro). Alguns Sigidi (s) são tão poderosos que se tornam divindades adoráveis, enquanto Sigidi (s) poderia ser usado de várias formas de acordo com o tipo de fórmula quese destina para, vamos apenas centrar-se na Onfa aqui. Há Sigidi Onfa (s), cujo dever é ir e trazer um ente querido que esteja faltando ou que tenha fugido com outro homem, ou uma falta criança que não sabemos o seu paradeiro, ou mesmo uma pessoa morta que não temos consciência de que ele está morto. (neste caso, a pessoa vai aparecer em um sonho s e explicar como ele morreu ou onde IES agora). 

O Sigidi (s) é muito poderoso e, em alguns casos, eles recebem armas para operar com a faca, cana, etc poderiam também ser dados um prazo para operar, como uma vela poderia ser iluminada na frente do Sigidi e dizer antes de terminar esta vela queimando, Eu quero que você para realizar esta missão, (embora não em todos os casos). Isto não significa que se o Sigidi é pretendia ir e trouxer alguém tanto o Sigidi, bem como a pessoa vai entrar em sua casa em tempo de a mesma coisa a vela termina em chamas, mas isso significa que o Sigidi viu para que a pessoa esteja na forma ou está prestes a fazer um movimento para esse fim, mas mesmo em algunscasos poderia dar errado em algum lugar ao longo da linha, é por isso que um Ologun deve possuir olho mais fino. Muito poderia ser dito sobre o Sigidi, mas vamos passar.
Atenção!


Uma galinha sigidi é enviada em uma missão você não dorme até que ele retorne porque você não sabe que mensagem ela está chegando com, ele poderia ser bom ou ruim. As pessoas possuem encantos como thatwork volta ao remetente e esses encantos evitar sigidi (s) de se aproximar deles, em acase como o sigidi poderia retornar ao remetente para infligir à mesma dor que ela foi enviada para ir e infligir pessoa não foi inicialmente enviado para. Então, se ele pega você dormir esta poderia significar um perigo, por isso deve-se estar sempre alerta. Mas no todo Sigidi é uma forma opção. Outro boa, segura e poderosa de Onfa é o Onfa Fitila, Fitila significa lâmpada. 

Portanto, esta é uma lâmpada mágica que islighted com a intenção de chamar alguém para você. Esta lâmpada é acesa no dia ou no nightdepending na fórmula e é deixado para queimar por um período de tempo, este tipo de fórmula é muito poderosa e notei que sempre que eu tentei, eu não poderia sono t (à noite). Este particularformula faz a pessoa ser encantado incapaz de fazer qualquer coisa, mas penso em você. Então, se sua doneall durante a noite, não se surpreenda se você ver seu amado bater à sua porta pela manhã o seguidor se ele / ela não mora muito longe, ou fazer o telefonema, se o seu unusualof ele. Este caso poderia ser se vocês já estão em condições de falar e estão familiarizados uns com os outros, mas agora há atrito entre vocês dois. 

Se não, então você vai notar que seus pathkeeps cruzamento e se uma senhora ela vai continuar tendo esse grande sorriso no rosto sempre que shesees você ou uma carranca que está disposta a quebrar se você poderia apenas dizer oi. (Don t desanime se ela doesnt responder, manter a lâmpada acesa), antes que você perceba que ela vai começar a pedirode todos os seus amigos. Isto também se aplica para os caras, mas as senhoras não tem que queimar alonga. Sigidi lâmpada para. Espíritos Espírito do Messenger guerreiros parágrafo que protegem a linhagem particular.Sigidi Sugudu familiares. O Espírito do Pesadelo

Akodidé - Poder Feminino e Relações de Gênero no contexto dos Afoxés de Pernambuco

 

Akodidé1
Poder Feminino e Relações de Gênero no contexto dos Afoxés de Pernambuco

A presente pesquisa propõe estudar o Afoxé pernambucano como uma manifestação da cultura afro-brasileira, enfocando as dimensões do poder feminino e as relações de gênero atreladas
à hierarquia religiosa que fundamentam a existência desses grupos, na busca de compreender o
papel da mulher nos processos sócio-políticos-culturais desenvolvidos por meio desta manifestação.
Sobre o Afoxé pernambucano seguem algumas considerações:

Em linhas gerais, o Afoxé, também denominado popularmente Candomblé de Rua, é uma
manifestação cultural fundamentada nas doutrinas africanas de Culto aos Orixás, que na diáspora
para o Brasil denominou-se Candomblé. Por isso, cada grupo adota um Orixá como guia e é zelado
por uma liderança religiosa, Babalorixá2 (Pai de Santo) ou Ialorixá3 (Mãe de Santo). É esta pessoa
quem orienta o grupo em todos os aspectos, e seus participantes, mesmo que não adeptos do
 
Candomblé, devem respeitar a hierarquia, os fundamentos religiosos e ter disciplina, obedecendo
aos critérios de funcionamento do Terreiro ao qual pertence o grupo.
 
No Recife, o afoxé é notado a partir da primeira metade do século XX. O historiador Lepê
Correia verbaliza que entre os anos de 1940/50 existiam grupos ligados aos Maracatus Nação.4
Katarina Real (1990) também faz a mesma referência e Raul Lody (1976), observando os
instrumentos do Maracatu Leão Coroado guardados no Terreiro de Pai Adão, percebe entre estes o
conhecido ilu, instrumento de couro típico dos afoxés baianos.
 
Durante o Estado Novo (1937 – 1945) as organizações negras, bem como outras
organizações sociais, vivenciaram toda sorte de repressão,5 mas no decorrer da década de 70
começaram a se reorganizar e junto com outros segmentos, lutar pela reabertura política. Em 1978,
por exemplo, funda-se o MNU - Movimento Negro Unificado, em São Paulo e no Recife, um ano
depois o Movimento Negro do Recife.6 Integrantes deste Movimento e pessoas comprometidas com
o fim das idéias racistas, apoiadas pelo Babalorixá Raminho de Oxossi, fundam o Afoxé Ilê de
África para o carnaval de 1981. Mesmo copiando o modelo estético do Afoxé Filhos de Gandhy, de
Salvador,7 a participação de mulheres foi uma particularidade não vista até então e o grupo
contribuíra para o início de um novo ordenamento no que concerne à possibilidade de participação
das mulheres na manifestação, como membro integrante e como agente político de um movimento mais amplo, ao menos teoricamente, pois, ao que parece, o afoxé torna-se um dos mecanismos da
reorganização política dos segmentos negros do Recife e, em particular, das mulheres negras. Entre
as músicas cantadas, a que segue contextualizava o momento:
 
Gingando e tocando atabaque no asfalto lá vem
É o Ilê de África, tem, tem, tem,
Tem muito preto adoidado e muita preta também
Venha e cante comigo, mas só cante em nagô
E não tenha preconceito dê valor a essa cor
Lêlêlê, lêlêlê, lêlêlêô, dê valor a essa cor. (grifo meu)
 
No fim dos anos 80, já se contavam mais quatro grupos: o Axé Nagô (criado por
dissidentes do Ilê de África com um curto tempo de atividades), o Povo de Odé (1982), o Ilê de
Egbá (1985) e o Alafin Oyó (1986), os três últimos em atividade até hoje.
 
Ao observar a configuração desses grupos, constato que durante a década de 80, as
mulheres desaparecem dos quadros de liderança e passam à posição de colaboradoras, organizando
o trabalho burocrático, servindo água durante o cortejo, ou seja, as posições de homens e mulheres
são claramente demarcadas como exemplifica Lady Albernaz (2006), entre os marcadores de
gênero, raça, geração e classe8, apontados por esta autora. Em fins deste período, o registro
jurídico era critério para a fundação de um afoxé e a eleição para a diretoria do Afoxé Alafin Oyó,
em 1989, é que recuperou a participação de mulheres, desta vez, numa conformação genuinamente
feminina. Militantes (em sua maioria) do MNU apropriadas das discussões do I Encontro Nacional
de Mulheres Negras9, como dirigentes, conduziram o Alafin Oyó inserindo novas práticas,
contextualizadas em um discurso político inovador, contemplando os valores culturais e, ao mesmo
tempo, adaptando-os a uma nova realidade. Recorda Márcia Diniz10 que o Alafin saiu do palco e foi
para outras frentes, quando foi inserido em várias instâncias da organização social.
 
A década de 90 manteve a criação de novos grupos. De 2001 a 2003 a Prefeitura do Recife
realiza pesquisa sobre a história dos afoxés nesta cidade e quando saem os primeiros resultados11 é
notável a estabilidade dos grupos existentes, bem como o surgimento de vários outros. Acredito que
o poder público tenha influenciado diretamente neste processo, fato ainda passível de investigação.
Portanto, esta década do século XX vem sendo marcada pela afirmação e surgimento de
muitos Afoxés. O MNU possui 24 grupos catalogados, mas estima-se a existência de quase trinta
entre as cidades do Recife e de Olinda.
 
Em 2005, funda-se a UAPE – União dos Afoxés de Pernambuco, idealizada por sete
grupos de Afoxé e hoje, com dez grupos filiados, é o organismo de representação jurídica dos
afoxés pernambucanos dirigido por um Conselho formado por quatro homens e três mulheres
representantes de cada um dos sete grupos que a fundou.
 
Meu interesse por esta temática surgiu em fins da década de 80, quando me tornei sócia do
Afoxé Alafin Oyó e pouco tempo depois vivenciei o processo de eleição o os conflitos enfrentados por uma diretoria que, pela primeira vez, foi composta exclusivamente por mulheres. Acrescento a
isso o fato de participar como desfilante do Afoxé Omi Sabá, criado em 2002, quando pude
observar ser o único a ter uma mulher como Mestra de Alabê e fazer uso do ilu, instrumento de
couro raramente percutido por mulheres; Também como ativista e desfilante do Afoxé Oyá Alaxé,
fundado em 2003, despertei para o fato de que junto com o Afoxé Obá Ayrá, fundado em 1990, são
os únicos a terem mulheres como zeladoras religiosas e responsáveis pelo controle social dos
grupos.
 
Segundo José Beniste (2000) e Helena Theodoro (1996), as religiões de matriz africana
tratam a mulher como a guardiã dos mistérios naturais que concebem a vida, consagrada por Olorun
a grande mãe de todos (Ìyá won). Em publicação de Cristiane Cury e Sueli Carneiro (1990), consta
que no universo nagô, é da interação dinâmica e conflituosa entre os opostos que tudo é gerado,
provocando o equilíbrio entre a terra (àiyé) e o além (òrun), representados pela mulher e pelo
homem. Ele, o princípio genitor masculino, ligado ao órun, e ela a terra, grande ventre reprodutor,
princípio genitor feminino. Tais preceitos estão ligados à noção de família e os conflitos se
expressam na luta pela supremacia entre os sexos, disputando o controle do mundo.
 
A interpretação desses preceitos muitas vezes é utilizada no Ocidente como justificativa
religiosa para uma hierarquização entre homens sobre as mulheres, que fica evidente, no caso dos
afoxés, quando observamos mais amiúde formas de participação diferenciada e desigual destes na
manifestação. Ao que me parece, os conflitos naturais dessa dinâmica são equivocadamente
idealizados e reproduzidos no cotidiano dos afoxés que, quando não exclui, limita a participação das
mulheres, como observei durante a década de 80, talvez pelo fato de ser um momento de difusão e
confronto das idéias feministas.12
 
Segundo Maria de Lourdes Siqueira (1995) e Pierre Verger (2002), entre os séculos XVI
e XIX, mesmo sob a dominação do sistema colonial-escravista vivido no Brasil, as mulheres
asseguravam a ordem da casa grande, chefiaram quilombos, participaram de levantes abolicionistas,
recriaram e transplantaram os primeiros Terreiros de Candomblé onde elas próprias realizavam os
seus rituais. Ruth Landes (2002) descreve minuciosamente o poder feminino na Bahia: “eram as
mulheres do candomblé que canalizavam a vida do povo”. O legado dessa história de luta,
assumindo postos de liderança é definido por Patrícia Collins (1991) como um desfio das idéias
hegemônicas da elite masculina branca, expressadas na consciência sobre a intersecção de raça e
classe na estruturação de gênero. Concordando com esta afirmativa, entendo que este legado
credencia as Ialorixás realizarem, por exemplo, os procedimentos religiosos pertinentes a um afoxé,
fundar ou exercer o controle social de um grupo. Portanto, por que não é comum elas assumirem
esses postos? Talvez o preceitos religiosos atrelados à cultura ocidental sejam os determinantes
desses limites. Em sua pesquisa, Lody (1976) relata um mito africano no reino de Oloxun, na terra de gexá, havia uma comunidade exclusivamente de mulheres.
 
Nas grandes festas consagradas à rainha de Gexá, que é Oxum, cortejos percorriam as
dependências dos palácios, praças e principais ruas do reino. As mulheres tocavam
pequenos ilus, presos no pescoço com alças de fibra, percutindo os couros com ambas as
mãos. Isso constitui-se em verdadeiro preceito religioso, que ainda fundamenta muitos
ritos ligados ao orixá Oxum. Esses ilus sobreviveram no Brasil especialmente nos cortejos
dos afoxés, que segundo muitos participantes possuem sua origem nos séqüitos festivos de
Oxum (grifo meu).
 
Observei recentemente no Ilê Obá Aganju Okoloyá, em meio a uma obrigação religiosa, a
Iakekerê13 interromper uma cerimônia e percutir um ilu ensinando ao ogan alabê a maneira correta
das batidas para um determinado orixá. Também ouvi no mesmo lugar, em conversa informal, um
dos alabê dizer ter sido essa mesma mulher quem os ensinou a percutir os instrumentos. Questiono
então: se no continente africano era comum mulheres percutir um Ilu com as mãos, por que no
Brasil, num universo de tantos afoxés originários daquela cultura, há apenas dois casos
excepcionais de mulheres manuseando esse instrumento? Avalio ser um paradoxo, assim como
descontextualizado o depoimento de um integrante de afoxé, justificar com base na tradição
africana que só quem toca os instrumentos são pessoas do sexo masculino, porque isso já vem do
antepassado... os instrumentos foram feitos para homem, não para mulher.14
 
Lody (1976) aponta mais dois exemplos da ocupação de cargos masculinos nos postos de
maior responsabilidade nos afoxés, são o transporte do estandarte, nunca terem sido transportados
por mulheres e do Babalotin,15 carregado no cortejo exclusivamente por uma criança do sexo
masculino. Para o caso do Babalotin, apresento uma situação atípica: no Afoxé Oyá Alaxé é uma
menina quem faz o transporte deste totem durante o cortejo. Quais preceitos modificaram essa
prática? A partir de (SAHLINS, 1990) penso que essas modificações podem ser conseqüências da
prática dos sujeitos sobre a estrutura, que o autor chama de Reavaliação Funcional das Categorias.
Esta investigação possibilitará o entendimento das formas como os afoxés de Pernambuco
traduzem as suas transformações, desconstroem práticas ancestrais, reelaboram os seus saberes.
 
Mas, uma primeira análise permite observar que o Candomblé e o Afoxé, como manifestações de
matriz africana, configuram-se como um importante espaço para a construção social do feminino na
sociedade brasileira.
 
Referências
ALBERNAZ. Lady Selma Ferreira. Anais do Encontro Fazendo Gênero 7. Florianópolis, 2006
BENISTE, José. Òrun, Aiyê: o encontro de dois mundos: o sistema de relacionamento nagô-yorubá
entre o céu e a terra. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000
COLLINS, Patrícia H. Black Feminst Thought. Knowledge, Consciousness, and Politics of
Empowerment. Nova Iorque, NY: Routledge, 1991.
Revista Estudos Feministas, Dossiê Mulheres Negras. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, v. 3, n. 2, 1995.
CURY, Cristiane Abdon e CARNEIRO, Sueli. O Poder Feminino no Culto aos Orixás. Revista de
Cultura Vozes nº 2, p. 157-179, Petrópolis, 1990.
LANDES, Ruth, 1908-1991. A cidade das mulheres. Tradução de Maria Lúcia do Eirado Silva;
revisão e notas de Édison Carneiro – 2. ed. Ver. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
LODY, Raul Giovani. Afoxé. Ministéio da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1976
MENEZES, Lia. As Yalorixás do Recife – Recife: Funcultura, 2005
QUEIROZ, Martha Rosa Figueira. Religiões Afro-brasileiras no Recife: intelectuais, policiais e
repressão. Dissertação para obtenção do grau de Mestre em História pela Universidade Federal de
Pernambuco. Recife, 1999.
REAL. Katarina. O folclore no carnaval do Recife. 2. ed. Recife: Massangana, 1990.
RISERIO, Antonio. Carnaval Ijexá. Salvador: Corrupio, 1981.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Ed. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 1990.
SILVA, Leonardo Dantas (Org.). Alguns documentos para a história da escravidão. Recife: Editora
Massangana, 1988.
SILVA. Maria Auxiliadora Gonçalves da. Encontros e Desencontros de um Movimento Negro. –
Brasília, Fundação Cultural Palmares, 1994.
SINGER, Paul e BRANT, Vinicius Caldeira (org). São Paulo: o povo em movimento. São Paulo:
Vozes, 1980.
THEODORO, Helena. Mito e Espiritualidade: mulheres negras. – Rio de Janeiro: Pallas ed., 1996
VERGER, Pierre Fatumbi, 1902 – 1996. Orixás deuses yorubás na África e no Novo Mundo. 6ª ed.
– Salvador: Corrupio, 2002.
__________________________________
1 Grande energia que representa o poder da ancestralidade coletiva feminina.
2 Sacerdote. Cargo hierárquico de maior autoridade masculina em um Terreiro de Candomblé.
3 Sacerdotisa. Cargo hierárquico de maior autoridade feminina em um Terreiro de Candomblé.
4 Depoimento concedido à Prefeitura do Recife 27/09/2002.
5 Sobre as repressões às organizações negras, ver QUEIROZ, Martha Rosa Figueira. Religiões Afro-brasileiras no
Recife: intelectuais, policiais e repressão. Dissertação de Mestre em História - UFPE, 1999.
6 Sobre o Movimento Negro Unificado, ver Silva (1994) e Singer e Brant (1980)
7 Fundado em 1949, o bloco é constituído exclusivamente por homens que usam vestes brancas em referência ao Orixá
Oxaguiã. Este afoxé é modelo para a conformação de grupos em Salvador e outros estados. Sobre o assunto, ver Risério
(1981). No Recife, Afoxé Ilê de África se inspira na estética do Gandhy utilizando lençóis brancos amarrados ao corpo.
Porém tem a particularidade da participação feminina tanto na organização como no cortejo.
8 Acrescento apenas a questão religiosa, como um dos fatores responsáveis pelas relações desiguais entre homens e
mulheres nos grupos de afoxé.
9 O I Encontro Nacional de Mulheres Negras aconteceu em 1988, em Valença, Rio de Janeiro com a participação de
450 militantes de 17 estados brasileiros.
10 Depoimento concedido ao Núcleo da Cultura Afro-Brasileira em 06/05/2004
11 Exposição – Afoxé: encanto e resistência. Centro de Formação, Pesquisa e Memória Cultural – Casa do Carnaval.
2002.
12 Sobre a evolução das idéias feministas, ver Matilde Ribeiro. Dossiê Mulheres Negras – Estudos Feministas, ano 3, 2º
semestre / 95.
13 Mãe Pequena / Pai Pequeno. Auxiliar direto do Babalorixá ou Ialorixá com poderes para substituí-lo(a).
14 Cláudio da Silva, Ogan do Afoxé Alafin Oyó, em entrevista concedida à Prefeitura do Recife em 02/08/2002.
15 O Babalotin é o mais importante símbolo religioso de um Afoxé, é o seu fundamento. Esse totem é considerado uma
representação do espírito ances

Orixá Ogum

Ogum


Ogun ko ni je o si ewu lona wa
Com a proteção de Ogum não haverá nenhum perigo em nosso
caminho.

Ogum, divindade do ferro, da guerra e da caça, é patrono dos ferreiros, caçadores, guerreiros e todos os que lidam com ferro e aço, incluindo-se entre eles os profissionais que realizam tatuagens e circuncisões, os policiais e os cirurgiões.

A tradição narra que Ogum era caçador e costumava descer doorun por meio de uma teia de aranha, para caçar. Narra ainda, que quando todas as divindades vieram ao mundo, tiveram dificuldades para encontrar o caminho, competindo a ele abrir clareiras na selva com seu facão mágico, para que pudessem passar. Em conseqüência disso, foi aclamado por todos como Osin Imale, chefe entre as divindades.

Ogum é considerado muito feroz. Qualquer contrato ou juramento selado em seu nome deve ser cumprido. São costumes tradicionais beijar um pedaço de ferro ou morder uma chave para demonstrar compromisso com a verdade e a justiça, em nome de Ogum. Caso o compromisso não seja cumprido ou haja juramento falso, considera-se que o faltoso sofrerá sérias conseqüências.

Seu santuário é construído na parte fronteira das casas e oficinas de ferreiros. Tem por símbolos mais importantes o ferro, a rocha, fragmentos de metal, a plantaporogun (dracaena fragrans), a presa do elefante ou sua cauda. Aceita em sacrifício aves, tartaruga, carneiro,
obi, orobô, cará, óleo de palmeira e, preferivelmente, cachorros. Sua bebida favorita é o vinho de palmeira.

Orixá Oxalá




Oxalá


Aiye won a toro bi omi a-foro-pon!
Suas vidas serão puras e límpidas como água apanhada na nascente, logo cedo pela manhã!

Oxalá, também chamado Obatalá e Orixalá (Orisa-nla), é a divindade criadora, incumbida pelo Ser Supremo de criar a terra sólida, povoá-la e modelar a forma física do homem, sendo por isso, freqüentemente descrito como o representante de Olodumare na terra. Oxalá possui outros nomes descritivos de sua natureza e caráter:
Obatala, contração de Oba-ti-o-nla, o rei que é grandeou Oba-ti-ala, o rei em vestes brancas. Muito antigo, diretamente originado do Ser Supremo, compartilha com Ele alguns nomes: A-te-rere-k-aiye = O que se expande por toda a extensão da terra; Eleda = Construtor; Alabalase = o regente que empunha o cetro (símbolo da autoridade divina); Ibikeji Edumare = Representante de Olodumare; Adimula = Aquele que é suficientemente forte para nos dar segurança. Freqüentemente representado pela figura de um ancião com trajes e ornamentos brancos, todos os objetos a ele associados são igualmente brancos, incluindo-se roupas e ornamentos de seus sacerdotes, sacerdotisas e devotos.
As pessoas que nascem defeituosas são chamadas Eni Orisa = Devotos do Orixá e devem respeitar certos tabus alimentares. Os albinos estão incluídos entre os Eni Orisa e seus tabus alimentares são particularmente pesados. Em algumas regiões é costume dizer-se a uma mulher grávida Ki Orisa ya 'na 're ko ni o = Possa Orixá realizar um belo trabalho de arte para nós. Ouve-se dizer também: Ki 'se ejo eleyin gan-n-gan; Orisa l'o se e ti ko fi awo bo o = Os dentuças não devem  envergonhar-se. Foi Orixá quem os fez e não providenciou cobertura suficiente para seus dentes.
Oxalá é cultuado por toda a terra iorubá. Segundo narra a tradição, seu lar de origem é Igbo: Enití nwon bi l' ode Igbo ti o re j' obal' ode Iranje = Ele que nasceu em Igbo e foi reinar em Iranje. Em Ile-Ifé é cultuado, pelo menos, sob três nomes. Em Ifon onde segundo algumas tradições a mãe de Oxalá (!) teria nascido, é chamadoOlufon; em Ijaye, Orisa Ijaye; em Owu, Orisa-Roowu; em Oba, Orisa Oloba e assim por diante. Mulheres estéreis pedem a benção de conceber; mulheres grávidas bebem água de seu santuário para terem filhos bonitos; inválidos são tratados com essa mesma água, colhida de manhã bem cedo, devendo a pessoa que vai apanhá-la, permanecer em silêncio total durante a realização dessa tarefa. A água de seu santuário deve ser trocada todos os dias para manter-se pura.

Antigamente apenas as mulheres virgens ou as já velhas, mulheres sem atividade sexual e de indiscutível reputação moral podiam apanhar água em sua nascente. Durante todo o percurso de ida à fonte e retorno, para evitar que lhe dirijam a palavra, a pessoa que apanha a água faz soar continuamente oagogo, informando tratar-se de um cortejo sagrado. Oxalá recebe em sacrifícioigbin (caracol da terra) e banha de ori.
Totalmente identificado com a pureza, Oxalá exige alto senso de moralidade por parte de seus cultuadores, que devem ser como a água da nascente. O procedimento do devoto de Oxalá deve ser correto e limpo seu coração: Aiye won a toro bi omi a-f'oro-pon! = Suas vidas serão puras e límpidas como água apanhada logo cedo pela manhã! Oxalá dá a seus filhos motivo para rir e eles riem. Oxalá torna seus filhos prósperos:
Alase!
Oh, Portador do Cetro!
Oh, você que multiplica uma única pessoa por 200 !
Multiplique-me por 200
multiplique-me por 400
multiplique-me por 1460 !