Papo de Terreiro: ABAIXE A CABEÇA IYAWO, NÃO OLHE NOS MEUS OLHOS OU MEU ÒRÌSÀ LHE MATA!

ABAIXE A CABEÇA IYAWO, NÃO OLHE NOS MEUS OLHOS OU MEU ÒRÌSÀ LHE MATA!


ABAIXE A CABEÇA IYAWO, NÃO OLHE NOS MEUS OLHOS OU MEU ORÌSÀ LHE MATA!

Sabe-se que o Candomblé, sobretudo, cuja nação é Queto e aparentados tem sua origem nas estruturas sociais yorùbá. Sabe-se também que entre os yorùbá o respeito aos mais velhos, aos sábios, àqueles que guardam o conhecimento e histórias, aos pais, às mães, aos professores, àqueles que vieram antes e mostraram o caminho é extremamente valorizado e, por isso, o mais jovem ajoelha-se para falar com o mais velho, não lhe encara e que, lingüisticamente, há morfemas (palavras específicas) no tratamento entre as diferentes gerações. “E ku”, como honorífico, sempre precede os cumprimentos aos mais velhos, há pronomes de tratamento específicos para que se refira aos mais velhos e até um simples “como está” adquire uma forma especial quando é dirigido a um mais velho. 
Some-se a isso, um gestual do corpo e dos olhos que deve acompanhar estas formas de tratamento. 


No Candomblé, ouve-se muito: abaixe a cabeça iyawo, não olhe nos meus olhos iyawo, não se sente em lugares mais altos daqueles onde estão sentados seus mais velhos iyawo. Ocorre que o tom usado sempre é para oprimir, chega a ser agressivo e sempre alça a divindade à posição de vilão e nunca há uma explicação que poderia, certamente, amenizar a repulsa por opressão, sobretudo, a cristão e colonizadora. 
A primeira explicação é esta: 
(1) o modelo social de origem do Candomblé e o respeito por aqueles que são os criadores; respeito aos saberes ancestrais e aos seus guardiões; 
(2) ao baixar a cabeça, os olhos tão contaminados, que tudo precisam ver para controlar, aos quais o ocidente atribui a única verdade e que representa a virilidade de uma sociedade falocêntrica – é preciso estar ereto para que os olhos vejam “direito” – coloca-se esses valores em segundo plano e, como cultuamos Ori, Ori é quem deve ver primeiro tudo – Orí, ao abaixar-nos, pode ver de uma vez os 360º não vistos pelos olhos e por isso pede-se que se honre Orí por meio de um silenciar dos olhos e valorizar da cabeça; 
(3) ninguém será punido ou condenado ou morto por não fazer isso. Trata-se de um código social – questão de educação e, neste, novo mundo, os olhos são menos importantes que a cabeça e, por isso, ela – Orí-inu (cabeça-ventre ancestral-destino) deve ser evidenciada e a ela o iniciado deve confiar a sua “visão”; 
(4) ao fazer isso, negamos a ereção, o controle pelos olhos, a necessidade do visto e o não sabido e, sobretudo, honramos a nossa cabeça e a nossa própria escolha, quando decidimos adorar a nossa cabeça/mente/conhecimento/ancestral. 
Também não me disseram e também me disseram que um dia eu saberia. Só não entendo porque as pessoas de Candomblé precisam tornar o caminho e a aceitação mais difíceis; porque sabemos que tudo sem significado fica mais doloroso e podemos nos confundir.

fonte: Sidnei Barreto/ Candomblé Pesquisa