Papo de Terreiro: OXÓSSI (OSOOSÌ)

OXÓSSI (OSOOSÌ)



OXÓSSI (OSOOSÌ)

Osoosì na África

Oxossi, o deus dos caçadores, teria sido o irmão caçula ou filho de Ogum. Sua importância deve-se a diversos fatores.
O primeiro é de ordem material, pois, como Ogum, ele protege os caçadores, torna suas expedições eficazes, delas resultando caça abundante.
O segundo é de ordem médica, pois os caçadores passam grande parte do seu tempo na floresta, estando em contato freqüente com Ossain, divindade das folhas terapêuticas e litúrgicas, e aprendem com ele parte do seu saber.
O terceiro é de ordem social, pois normalmente é um caçador que, durante suas expedições, descobre um lugar favorável à instalação de uma nova roça ou de um vilarejo. Torna-se assim o primeiro ocupante do lugar e senhor da terra (oníle), com autoridade sobre os habitantes que aí venham a se instalar posteriormente.
O quarto é de ordem administrativa e policial, pois antigamente os caçadores (ode) eram únicos a possuir armas no vilarejo, servindo também de guardas-noturnos (oso).
Uma lenda explica com surgiu o nome Osoosì, derivado de Osowusì ("o guarda noturno é popular"):
"Olofin Odùduà, rei de Ifé, celebrava a festa dos novos inhames, um ritual indispensável no inicio da colheita, antes do quê, ninguém podia comer desses inhames. Chegado o dia, uma grande multidão reuniu-se no pátio do palácio real. Olofin estava sentado em grande estilo, magnificamente vestido, cercado de suas mulheres e de seus ministros, enquanto os escravos o abanavam e espantavam as moscas, os tambores batiam e louvores eram entoados para saudá-lo. As pessoas reunidas conversavam e festejavam alegremente, comendo dos novos inhames e bebendo vinho de palma. Subitamente um pássaro gigantesco voou sobre a festa, vindo pousar sobre o teto do prédio central do palácio. Esse pássaro malvado fora enviado pelas feiticeiras, as Ìyámi Òsòròngà, chamadas também as Eleye, isto é, as proprietárias dos pássaros, pois elas utilizam-nos para realizar seus nefastos trabalhos. A confusão e o desespero tomam conta da multidão. Decidiram, então, trazer sucessivamente Oxotogun, o caçador das vinte flechas, de Ido; Oxotogí, o caçador das quarenta flechas, de Moré; Oxotadotá, o caçador das cinqüenta flechas, de Ilarê, e finalmente Oxotokanxoxô, o caçador de uma só flecha, de Iremã. Os três primeiros muitos seguro de si e uns tanto fanfarrões, fracassaram em suas tentativas de atingir o pássaro, apesar do tamanho deste e da habilidade dos atiradores. Chegada a vez de Oxotokanxoxô, filho único, sua mãe foi rapidamente consultar um babalaô que lhe declarou: "Seu filho esta a um passo da morte ou da riqueza. Faça uma oferenda e a morte tornar-se-á riqueza". Ela foi colocar na estrada uma galinha, que havia sacrificado, abrindo-lhe o peito, como deveriam ser feitas as oferendas as feiticeiras, e dizendo três vezes: "Quero o peito do pássaro receba esta oferenda". Foi no momento preciso que seu filho lançava sua única flecha. O pássaro relaxou o encanto que o protegia, para que a oferenda chegasse ao seu peito, mas foi a flecha de Oxotokanxoxô que o atingiu profundamente. O pássaro caiu pesadamente, se debateu e morreu. Todo mundo começou a dançar e cantar: "Oxó (oso) é popular! Oxó é popular! Oxowussi (Osowusì)! Oxowussi!! Oxowussi!!"
Com o tempo Osowusì transformou-se em Osoosì.

Oxossi no Novo Mundo

O culto de Oxossi encontra-se quase extinto na África, mas bastante difundido no Novo Mundo, tanto em Cuba como no Brasil. Na Bahia chega-se mesmo a dizer que ele foi rei de Kêto, onde outrora era cultuado. Isso explica, talvez, pelo fato de este país ter sido completamente destruído e saqueado pelas tropas do rei Daomé, no século passado, e seus habitantes, inclusive os iniciados de Oxossi, foram vendidos como escravos para o Brasil e Cuba. Esses africanos trouxeram consigo o conhecimento do ritual de celebração desse culto. Chegou-se a tal ponto que, embora extinto ainda em Kêto os locais onde Oxossi recebia outrora referendas e sacrifícios, já não existiam atualmente pessoas que saibam ou desejem cultua-lo.
No Brasil, seus numerosos iniciados usam colares de contas azul-esverdeadas e quinta-feira é o dia da semana que lhe é consagrado. Seu símbolo é, como na África, um arco e flecha em ferro foriado. Sacrificam-lhe porcos e são lhe oferecidos pratos de feijão preto ou fradinho com eran patere (miúdos de carne).
Oxossi é sincretizado na Bahia com São Jorge e com São Sebastião no Rio de Janeiro, enquanto em Cuba ele é São Noberto.
No decorrer do "xirê" dos orixás, ele segura em uma das mãos um arco e flecha, seus símbolos, e na outra um "erukerê" (espanta moscas), insígnia de dignidade dos reis da África e que lembra ter sido ele rei de Ketô. Suas danças imitam a caça, a perseguição do animal e o atirar da flecha. Oxossi é saudado com o grito "Okê!".
Conta-se no Brasil que Oxossi era irmão de Ogum e de Exu, todos os três filhos de Iemanjá. Exu era indisciplinado e insolente com sua mãe e por isso ela o mandou embora. Os outros dois se conduziam melhor. Ogum trabalhava no campo e Oxossi caçava na floresta das vizinhanças, de modo que a casa estava sempre abastecida de produtos agrícolas e de caça. Iemanjá, no entanto, ainda inquieta resolveu consultar um babalaô. Este lhe aconselhou a proibir que Oxossi saísse à caça, pois se arriscava a encontrar Ossain, aquele que detém o poder das plantas e que vivia nas profundezas da floresta. Oxossi ficaria exposto a um feitiço de Ossain para obriga-lo a permanecer em sua companhia. Iemanjá exigiu, então, que Oxossi renunciasse as suas atividades de caçador. Este, porém de personalidade independente, continuou suas incursões à floresta. Ele partia com outros caçadores, e como sempre faziam, uma vez chegados juntos a uma grande árvore (ìrókò), separavam-se, prosseguindo isoladamente, e voltavam a se encontrar no fim do dia e no mesmo lugar. Certa tarde, Oxossi não voltou para o reencontro, nem respondeu aos apelos dos outros caçadores. Ele havia encontrado Ossain e este lhe dera pára beber uma poção onde foram maceradas certas folhas, como a amúnimúyè, cujo nome significa "apossa-se de uma pessoa e de sua inteligência", o que provocou Oxossi uma amnésia. Ele não sabia mas quem era nem onde morava. Ficou, então, vivendo na mata com Ossain, como predissera o babalaô.
Ogum inquieto com a ausência do irmão partiu à sua procura, encontrando-o nas profundezas da floresta. Ele o trouxe de volta, mas Iemanjá não quis mas receber o filho desobediente. Ogum, revoltado pela intransigência materna, recusou-se a continuar em casa (é por isso que o lugar consagrado a Ogum está sempre instalado ao ar livre). Oxossi voltou para a companhia de Ossain, e Iemanjá, desesperada por ter perdido seus filhos, transformou-se em um rio, chamado Ògùn (não confundir com Ògún, o orixá).
O narrador desta lenda chamou a atenção para o fato de que "esses quatro deuses iorubas — Exu, Ogum, Oxossi e Ossain — são igualmente simbolizados por objetos de ferro forjado e vivem ao ar livre".

Arquétipo

O arquétipo de Oxossi é o das pessoas espertas, rápidas, sempre alerta e em movimento. São pessoas cheias de iniciativas e sempre em vias de novas descobertas ou de novas atividades. Têm o senso de responsabilidade e dos cuidados para com a família. São generosas, hospitaleiras e amigas da ordem, mas gostam muito mudar de residência e de achar novo meios de existência em detrimento, algumas vezes, de uma vida doméstica harmoniosa e calma.

Outros deuses de caça

Oreluerê (Orelúéré)
Além de Ogum e Oxossi, existem outros deuses da caça entre os iorubas, citemos Ore ou Orelúéré (Oreluerê), que, segundo alguns, teria sido um dos dezesseis companheiros de Odùdùa na ocasião de sua chegada a Ifé. Segundo outros, ele teria sido um dos chefes dos igbôs, juntamente com Orixalá, para opor uma forte resistência aos invasores.

Inlé (Erinle)

Em Ijexá, onde passa um rio chamado Erinle, há um deus da caça com o mesmo nome. Seu templo principal é em Ilobu, onde, segundo onde Ulli Beier, dois cultos teriam se misturado: o culto do rio e do caçador de elefantes, que, em diversas ocasiões, viera ajudar os habitantes de Ilobu a combater seus adversários. Seu símbolo, de ferro forjado,é um pássaro fixo sobre uma haste central, circundada por dezesseis outra hastes sobre as quais se encontra também um pássaro. O culto de Erinle realiza-se as margens de diversos lugares profundos (ibù) do rio. Cada um desses lugares recebe um nome, mas é sempre Erinle que é adorado sob todos esses nomes. Ele recebe oferendas de acarajé, de inhames, bananas, milhos, feijão assado, tudo regado com azeite-de-dendê. No Brasil e em Cuba é conhecido com o nome de Inlé.

Ibualama (Ibùalámo)

Um desses lugares profundos de Erinle dos quais falamos acima Ibùalámo (Ibualama). Ele tem uma certa notoriedade e é objeto de um culto praticado no Novo Mundo, principalmente na Bahia, onde, durante as danças, ele traz nas mãos o símbolo de Oxossi, o arco e flecha de ferro, assim como uma espécie de chicote (bilala), com o qual ele se fustiga a si mesmo.

Logunedé (Lógunede)

Erinle teria tido, com Oxum Ipondá, um filho chamado Lógunede (Logunedé), cujo culto se faz ainda, mas raramente, em Ilexá, onde parece estar em vias de extinção. No Brasil, tanto na Bahia como no Rio de Janeiro, Logunedé tem, entretanto, numerosos adeptos. Esse deus tem por particularidade viver seis meses do ano sobre a terra, comendo caça, e os outros seis meses, sob as águas de um rio, comendo peixe. Ele seria também, alternadamente do sexo masculino, durante seis meses, e do sexo feminino durante os outros seis meses. Esse deus, segundo se conta na África, tem aversão por roupas vermelhas ou marrons. Nenhum dos seus adeptos ousaria utilizar essas cores no seu vestuário. O azul- turquesa, entretanto parece ter sua aprovação. É sincretizado na Bahia com São Expedito.