Papo de Terreiro: agosto 2013

ORIXALÁ (OBATALÁ/OXALÁ/ÒRÌSÀNLÁ/OBÀTÁLÁ)


ORIXALÁ (OBATALÁ/OXALÁ/ÒRÌSÀNLÁ/OBÀTÁLÁ)

Òrìsànlá ou Obàtálá na África

Òrìsànlá ou Obàtálá, "O Grande Orixá" ou "Rei do Pano Branco", ocupa uma posição única e inconteste do mais importante orixá e o mais elevado dos deuses iorubás. Foi o primeiro a ser criado por Olodumaré, o deus supremo. Òrìsànlá-Obàtálá é também chamado Òrisà ou Obà-Ìgbò, o Orixá ou o Rei dos Igbôs. Tinham um caráter bastante obstinado e independente o que lhe causava inúmeros problemas.

Òrìsànlá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir (àbà) e o de realizar (àse), razão pela qual é saudado com o título de Aláàbáláàse. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o "saco da criação". O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifa nos conta como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.

Òrìsànlá pôs-se a caminho apoiado num grande cajado de estanho, seu Opá osorò ou paxorô, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa. Òrìsànlá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Olofin-Odùduà, criado por Olodumaré depois de Òrìsànlá é o maior rival deste. Vendo o Grande Orixá adormecido, roubou-lhe "o saco da criação", dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Òrìsànlá. Olodumaré exclamou: "Se ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!" Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no "saco da criação". Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais, o que o ioruba se diz ilè nfe, expressão que deu origem ao nome da cidade de ilê Ifé. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros orixás, e tornou-se assim o rei da terra.

Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o "saco da criação". Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás funfun, ou "orixás brancos", beber vinho de palma e mesmo de usar azeite- de-dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida.

Por essa razão, Oxalá é também chamado de Alámorere, o "proprietário da boa argila". Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas.alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.

Mais tarde, quando Òrìsànlá e Odùduà reencontraram-se, eles discutiram e se bateram com furor. A lembrança dessas discórdias é conservada nas histórias de Ifá, das quais algumas podem ser encontradas em outra obra. As relações tempestuosas entre divindades podem ser consideradas como transposição ao domínio religioso de fatos históricos antigos. A rivalidade entre os deuses dessas lendas seria a fabulação de fatos mais ou menos reais, concernentes à fundação da cidade de Ifé, tinha como o "berço da civilização ioruba e do resto do mundo".

Obàtálá teria sido o rei dos igbôs, uma população instalada perto do lugar que se tornou mais tarde a cidade de Ifé. A referência a esse fato não se perdeu nas tradições orais no Brasil, onde Orixalá e freqüentemente mencionado nos cantos como Orixá Igbô ou Babá Igbô, "ou orixá" ou "o rei dos igbôs". Durante seu reinado, ele foi vencido por Odùduà, que encabeçada um exército, fazendo-se acompanhar da dezesseis personagens, cujos nomes variam segundo os autores. Estes são conhecidos pelo nome de awon agbàgbà, "os antigos". Esses acontecimentos históricos corresponderiam à parte do mito onde Orixalá foi enviado para criar o mundo (enquanto, na realidade, ele tornou-se o rei dos igbôs) e foi no mito que Odùduà tornou-se o rei do mundo, por ter roubado a Orixalá o "saco da criação" (enquanto, na realidade, ele destronou Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, usurpando-lhe o reino).

Odùduà teria vindo do leste, no momento das correntes migratórias causadas por uma invasão berbere no Egito. Esse fato provocou deslocamentos de populações inteiras, expulsando-se progressivamente, umas às outras, em direção ao oeste, para terminar em Borgu, também chamada região dos baribas. Segundo uns, Odùduà teria vindo de uma longínqua região do Egito ou mesmo de Meca e, segundo outros, de um lugar perto de Ifé, chamado Oké-Ora, onde os invasores teriam habitado durante várias gerações.

Não foi sem resistência que Òrìsànlá-Ìgbò perdeu seu trono. Ele reagiu com energia e chegou mesmo a expulsar Odòduà de seu palácio, onde já se encontrava instalado. Foi ajudado por seus partidários, Orelúéré e Obawinni, mas foi uma vitória de curta duração, pois, por sua vez, foi expulso por Obameri, partidário de Odùduà, e, assim, Òrìsànlá teve que se refugiar em Ideta-Oko. Obameri instalou-se na estrada que ligava esse lugar e Ifé para impedir, durante muito tempo, a volta de Òrìsànlá a esse lugar. Tendo este perdido o seu poder político, conservou funções religiosas e voltou mais tarde para instalar-se em seu templo em Ideta-Ilê. A coroa de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, tomada por Odùduà, teria sido conservada até hoje no palácio do Oòni, rei de Ifé e descendente de Odùduà. Essa coroa, chamada até, é elemento essencial na cerimônia de entronização de um novo Oòni. Os sacerdotes de Òrìsànlá desempenham um papel importante nessas ocasiões. Eles participam de certos ritos, durante os quais eles próprios colocam a coroa na cabeça do novo soberano de Ifé. Este também, antes da sua coroação, deveria dirigir-se ao templo de Òrìsànlá. Durante as festas anuais, celebradas em Ifé para Òrìsànlá, os sacerdotes desse deus fazem alusão à perda da coroa de Obà-Ìgbò, lembrando seu antigo poder sobre o país antes da chegada de Odùduà e da fundação de Ifé. Além disso. Oòni deve enviar todos os anos um seu representante a Ideta-Oko, onde residiu Òrìsànlá. O representante deve levar oferendas e receber instruções ou a benção de Òrìsànlá.

Os deuses da família de Òrìsànlá-Obàtálá, o "Orixá" ou o "Rei do Pano Branco", deveriam ser, sem dúvida, os únicos a serem chamados orixás, sendo os outros deuses chamados por seus próprios nomes ou, então, sob a denominação mãos geral de ebora para os deuses masculinos. O termo "Imole", empregado por Epega, abrangeria o conjunto dos deuses iorubás.

Essa família de orixás funfun, os orixás brancos, é daqueles que utilizam o efun (giz branco) para enfeitar o corpo. São-lhe feitas oferendas de alimentos brancos, como pasta de inhame, milho, caracóis e limo da costa. O vinho e o azeite, provenientes do dendê, e o sal são as principais interdições. As pessoas que lhe são consagradas devem sempre se vestir de branco, usar colares da mesma cor e pulseiras de estanho, chumbo ou marfim.

Os orixás funfun seriam em número de cento e cinqüenta e quatro, dos quais citamos alguns nomes:

Òrìsá Olufon ajígúnà koari, "aquele que grita quando acorda";
Òrìsá Ògiyán Ewúléèjìgbò, "Senhor de Ejigbô";
Òrìsá Obaníjìta;
Òrìsá Àkirè ou Ìkirè, um valente guerreiro muito rico que transforma em surdo-mudo aquele que o negligencia;
Òrìsá Eteko Oba Dugbe, outro guerreiro muito ligado a Òrìsànlá;
Òrìsá Aláse ou Olúorogbo, que salvou o mundo fazendo chover num período de seca
Òrìsá Olójo;
Òrìsá Àrówú;
Òrìsá Oníkì;
Òrìsá Onírinjà;
Òrìsá Ajagemo, para o qual, durante sua festa anual em Ede, dança-se e representa-se com mímicas um combate entre ele e Olunwi, no qual este último sai vencedor e aprisiona seu adversário. Mas tarde Òrìsá Ajagemo é libertado e volta triunfante para seu templo Ulli Beier sugere que nesta representação poderia haver uma espécie de reconstituição da conquista do reino Igbô por Odùduà, da derrota de Orixalá no plano temporal e de sua vitória final no plano espiritual.
Òrìsá Jayé em Jayé;
Òrìsá Ròwu em Owu;
Òrìsá Olobà em Obá;
Òrìsá Olúofin em Iwofin;
Òrìsá em Oko;
Òrìsá Eguin em Owú, etc.
 
William Bascom observa que o ritual da adoração de todos esses orixás funfun é tão semelhante que, em alguns casos, é difícil saber se trata de divindades distintas ou simplesmente de nomes e manifestações diferentes de Òrìsànlá.

Òrìsànlá-Obàtálá é casado com Yemowo. Suas imagens são colocadas um ao lado da outra e coberta por traços e pontos desenhados com efun, no ilésìn, local de adoração desse casal no templo de Ideta- Ilê, no bairro de Itapa, em Ilê-Ifé.

Dizem que Yemowo foi a única mulher de Òrìsànlá-Obàtálá. Um caso excepcional de monogamia entre os orixás e eboras, muito propensos, como vimos nos capítulos precedentes, a ter aventuras amorosas múltiplas e a renovar facilmente seus votos matrimoniais.

Cerimônias para Òrìsànlá-Obàtálá

As cerimônias públicas para Òrìsànlá em Ilê-Ifé comemoram acontecimentos históricos. Antigamente, as festas duravam nove dias e foram posteriormente reduzidas para cinco. Como estão em concordância com a semana ioruba de quatro dias, começam e terminam no dia consagrado a Obàtálá. Nos dois casos observados, começaram no dia imediato ao primeiro quarto da lua, respectivamente, em 13 de janeiro de 1977 e em 1º de fevereiro de 1978.

Foram realizados sacrifícios de cabras no templo de Obàtálá, no ilésìn de Ideta-Ilê, onde se encontram as imagens de Obàtálá-Òrìsànlá e de sua mulher Yemowo. Uma parte do sangue é derramada sobre as imagens que, em seguida, são lavadas com infusão de folhas colhidas na floresta de Yemowo. Essas folhas são de diferentes variedades, entre as quais figuram as plantas calmantes: odúndún (Kalanchoe crenata), àbámodá (Bryophyllum pinnatum),òwú (Gossypium sp.), efinrin (Ocimun viride), rinrin (Peperomnia pellucida), teteregun (Costus afer), etc. Em seguida, as duas imagens são enfeitadas com uma série de traços e pontos brancos feitos com efun. Os sacerdotes mais importantes, o Obàlále, guarda de Obàtálá, e Obàláse, guarda do Òrìsà Aláse, dançam por muito tempo nesse primeiro dia ao som dos tambores ìgbìn, próprio do culto de Òrìsànlá. São tambores pequenos e baixos, apoiados sobre pés, um macho e outro fêmea. O ritmo é marcado pelos eru, ferros achatados em forma de "T", batidos uns no outro.

No dia seguinte, Obàlále e Obàláse fazem abluções com as mesmas infusões que serviram na véspera
para Òrìsànlá e Yemowo; seus corpos são igualmente enfeitados com desenhos feitos com efun. As
imagens são bem enroladas em pano branco e levadas, de manhã cedinho, em procissão desde Ideta-
Ilê até Ideta-Oko. Todos os ingredientes da oferenda — ibo òrìsà — a ser feita são levadas até lá. Essa
oferenda consta de dezesseis caracóis, dezesseis ratos, dezesseis peixes, dezesseis nozes de cola e
limo da costa. O dia será passado em Ideta-Oko, lembrando o exílio de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò quando
teve de deixar o palácio de Ifé.

No momento da chegada à floresta, faz-se uma pequena parada diante de uma árvore isìn, "a que é adorada", e o cortejo penetra mais adentro numa vasta clareira, cercada de grandes árvores e margeada de montículos de terra que parecem ser ruínas de construções antigas. No centro, encontra- se uma espécie de grande pote emborcado com um pequeno furo a meia altura, através do qual pode- se ver o crânio de animais sacrificados nos anos anteriores. As imagens são desenroladas e colocadas no chão, de costas para o pote; Òrìsànlá à direita e Yemowo à esquerda, como no ilésìn em Ideta-Ilê.
Todos os participantes sentam-se em silêncio na floresta calma e sombria. Pouco a pouco a multidão se amontoa. Os tambores ìgbìn tocam de vez em quando, acompanhando os cantos e os oríkì de Obàtálá e Yemowo. Sacrifica-se uma cabra. Faz-se uma adivinhação, com as quatro partes de uma noz de cola, para saber se os deuses estão satisfeitos. A cabeça do animal é separada do corpo e jogada embaixo do grande pote. Recomeçam os cantos acompanhados pelos tambores. Os sacerdotes dançam. Obàláls, com ar distante e crispado, está em transe, possuído por Òrìsànlá.

No entrar de ser, dois mensageiros do Oòni de Ifé chegam e param à entrada da floresta, perto da árvore isìn. Traz da parte de seu senhor, descendente de Odòduà, uma cobra como oferenda; antigamente era um ser humano que deveria ser sacrificado. O animal é levado para uma pequena clareira, contígua ao local da reunião. Já quase à noite e a cabeça do animal é presa no chão por uma forquilha. Obàláse, com o rosto tenso e entorpecido pelo transe, dança ao redor da pequena clareira e faz várias idas e vindas ao local onde estão as imagens dos orixás. Em seguida, ele pega um dos ferros eru, em forma de "T", e com ele bate com força na cabeça da cabra, matando-a. Molha suas mãos no sangue que escorre do corte e vai passa-las na cabeça das imagens de Òrìsànlá e Yemowo.

Um ajudante de Obàláse arrasta, com a forquilha, a cabra abatida, evitando toca-la, e a lança no mato.
A multidão grita:

"Gbákú lo, gbárùn lo!!!"
("Leva a morte para longe, leva as doenças para longe.")
 
Em contraste com a primeira cabra sacrificada, cuja carne foi cozida e distribuída para ser ritualmentecomida pelos presentes, em comunhão com os deuses, a carne da segunda cabra, que substituiu a vítima humana, não pode ser tocada nem comida, pois seria atrair sobre si a morte e as doenças... e praticar antropofagia.

Terminada a cerimônia desse dia, as imagens dos deuses são novamente enroladas nos panos brancos, levadas a Ideta-Ilê e reinstaladas no ilésìn até o ano seguinte.

No último dia, consagrado a Yemowo, os sacerdotes e seus auxiliares vão à floresta sagrada dessa divindade, a Ita-Yemowo. Levam para ali um acento de madeira esculpida, àgá Yemowo, devidamente lavado e purificado com a infusão de folhas e enfeitado com traços brancos. Um dos sacerdotes, dedicado a Yemowo, entra em transe, possuído por essa divindade. A expressão de seu rosto, com seu ar distante, lembra o transe de Obàláse na floresta de Ideta-Oko, porém mais calmo e tranqüilo. 
 
Transformando-se momentaneamente em Yemowo, o sacerdote é revestido com um grande pano branco e amarra em sua cabeça um turbante também branco. Seguida por uma grande multidão, na qual predominam as mulheres, algumas das quais tiveram filhos por sua intercessão, Yemowo, encarnava, vai sentar-se em sua cadeira, em frente ao palácio de Oòni. Porém o descendente de Odùduà não se apresenta e Yamowo retira-se para o templo de Ideta-Ilê. Esta visita de Yemowo é repetida duas vezes mais sem que o Oòni apareça; entretanto, a cada vez, ele envia nozes de cola a Ideta-Ilê por um mensageiro.

Não obtivemos explicação sobre o sentido preciso dessa parte do ritual. Parece tratar-se de uma referência aos esforços sucessivos que antigamente fez Yemowo para restabelecer a paz entre Òrìsànlá e Odùduà e a acolhida reticente reservada por este último aos esforços de pacificação.

Oxalufã (Òrìsà Olúfon)

Òrìsà Olúfon, Òrìsà fun fun, velho e sábio, cujo o templo é em Ifon, pouco distante de Oxogbô. Seu culto permanece ainda relativamente bem preservado nessa cidade tranqüila, que se caracteriza pela presença de numerosos templos, igrejas católicas e protestantes e mesquitas que atraem, todas elas, aos domingos e sextas-feiras, grandes números de fiéis de múltiplas formas de monoteísmos importados do estrangeiro. Em contraste, infelizmente, com essa afluência, o dia da semana ioruba consagrado a Òrìsànlá só interessa atualmente a pouca gente. Exatamente um pequeno núcleo de seis sacerdotes, os Ìwèfà mefà (Aáje, Aáwa, Olúwin, Gbogbo, Aláta e Ajíbódù) ligados ao culto de Òrìsà Olúfon e uns vinte olóyè, os dignitários portadores de títulos, que fazem parte da corte do rei local, Obà Olúfon.
 
A cerimônia de saudação ao rei de dezesseis em dezesseis dias pelos Ìwefà e pelos Olóyè é impressionante pela calma, simplicidade e dignidade. O rei, Olúfon, espera sentado a porta do palácio reservada só para ele e que dá para o pátio. Ele estava vestido com um pano e um gorro brancos. Os Olóyè avançam, vestidos de tecido branco amarrado no ombro esquerdo, e seguram um grande cajado. Aproximam-se do rei, param diante dele, colocam o cajado no chão, tiram o gorro, ficam descalços, desatam o tecido e amarram-no à cintura. Com o torso nu em sinal de respeito, ajoelha-se e prostra-se vária vez, ritmando, com uma voz respeitosa, um pouco grave e abafada, uma série de votos de longa vida, de calma, felicidade, fecundidade para suas mulheres, de prosperidade e proteção contra os elementos adversos e contra as pessoas ruins. Tudo isso é expresso em uma linguagem enfeitada de provérbios e de fórmulas tradicionais. Em seguida, os Olóyè e os Ìwèfà vão sentar-se de cada lado do rei, trocando saudações, cumprimentos e comentários sobre acontecimentos recentes que interessam à comunidade. A seguir, o rei manda servir-lhes alimentos, dos quais uma parte foi colocada diante do altar de Òsàlúfon, para uma refeição comunitária com o deus.


Oxaguiã (Òrìsà Ògiyán)

Òrìsà Ògiyán é um orixá funfun jovem e guerreiro, cujo templo principal encontra-se no Ejigbô. Foi a esse local que este orixá chegou, depois de uma viagem que o fez passar por vários lugares; num deles, Ikiré deixou um de seus companheiros que se tornou o opulento Òrìsà-Ìkìrè.

Chegando ao ponto final de sua viagem, tomou o título de Eléèjìgbó, rei de Ejigbô. Porém, uma característica desse orixá era o gosto descontrolado que tinha pelo inhame pilado, chamado iyán, que lhe valeu o apelido de "Orixá-Comedor-de-Inhame-Pilado", o que se exprime em ioruba pela frase Òìsà-je-iyán e pela contração Òrìsàjiyán ou Òrìsàgiyán. Comia inhame dia e noite; de fato, o inhame era-lhe necessário a todas as horas. Dizem que ele foi o inventor do pilão para facilitar a preparação de seu prato predileto. Também, quando um elégùn desse orixá é possuído por ele, traz sempre na mão, ostensivamente, um pilão com alusão a sua preferência alimentar. Esse detalhe é conhecido no Brasil pelas pessoas consagradas a Oxaguiã que, quando estão em transe durante suas danças, agitam com a mão, infalivelmente, o pilão simbólico. Além disso, a festa que lhe oferecem todos os anos chama-se "o Pilão de Oxaguiã".

Por ocasião das cerimônias anuais em Ejigbô, a tradição exige que os habitantes de dois bairros da cidade, Oxolô e Oke Mapô, lutem uns contra os outros a golpes de varas durante várias horas. Uma história de Ifá explica a origem desse costume com a seguinte lenda:

"Um certo Awoléjé, babalaô companheiro e amigo de Eléèjìgbò, havia-lhe indicado o que deveria fazer para transformar a aldeia de Ejigbô, recentemente fundada, em uma cidade florescente. Em seguida, dirigiu-se para outro lugar. Em alguns anos, a aglomeração tornou-se uma grande cidade, cercada de muralhas e fossos, com portas fortificadas, guardas, um palácio para Eléèjìgbò, numerosas casas, um grande mercado para onde vinham de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias diversas e escravos. Eléèjìgbò vivia em grande estilo e era costume, quando se falava de sua pessoa, disigná-lo pelo termo bajulador Kábiyèsi (‘Sua Majestade Real’). 
 
Ao cabo de vários anos, Awoléjé voltou e, embora babalaô, nada sabia da grandeza de seu amigo, o ‘Comedor-de-Inhame- Pilado’. Chegando ao posto da guarda, na porta da cidade, pediu familiarmente notícias do Ojiyán. Os guardas surpresos e indignados com a insolência do viajante para com o soberano do lugar agarraram Awoléjé, bateram-lhe". cruelmente e o prenderam. O babalaô ferido vingou-se utilizando seus poderes. Ejigbô conheceu então anos difíceis: não chovia mais, as mulheres ficaram estéreis, os cavalos do rei não tinham mais pasto e outros dissabores. Eléèjìgbò fez uma pesquisa e soube da prisão de Awoléjé. Ordenou imediatamente que o pusessem em liberdade e pediu-lhe para perdoar e para esquecer os maus-tratos de que fora vítima. Awoléjé concordou, mas com uma condição: ‘No dia da festa de Òsàgiyán, os habitantes de Ejigbô deveriam lutar entre si, com golpes de varas, durante várias horas’".

Esta flagelação expiatória realiza-se todos os anos em presença de Eléèjìgbò, enquanto as mulheres consagradas ao orixá cantam os oríkì e batem no chão com o ìsán, varinhas de atori (Glyphea laterifolia), para os mortos, e faze-los participar da cerimônia. Elas exortam Oxaguiã a fazer reinar a paz e a abundância em sua cidade e a mandar chover regularmente. Os axés do deus são trazidos da floresta sagrada, onde se encontra seu templo. Terminada a luta, forma-se um cortejo, precedido por Eléèjìgbò. A multidão entra dançando no palácio, onde os axés ficaram por algum tempo. Depois, retornarão acompanhados por Eléèjìgbò e seu séqüito até o templo de Oxaguiã, em sua floresta sagrada. A multidão enche logo a clareira, levando gamelas com oferenda de alimentos, onde figura em lugar de destaque, a massa de inhame bem pisada nos pilões e que será comida em comunhão com o deus.

Odudua (Odùduà)

Odùduà é mais personagem histórico do que orixá; guerreiro temível, invasor e vencedor dos igbôs, fundador da cidade de Ifé e pai de reis das diversas nações iorubás. O Rev. Bolaji Idowu comunga desse ponto de vista quando escreve que "Odùduà tornou-se objeto de culto após sua morte, estabelecido no âmbito dos cultos dos ancestrais" (e não de divindade). Willian Bascom confirma essa opinião quando assinala que "as pessoas que cultuam Odùduà não entram em transe". Ora, a entrada em transe é uma característica fundamental no culto dos orixás Precisamos falar aqui das extravagantes teorias do Padre Baudin e dos seus compiladores, encabeçados pelo Tenente-Coronel A. E. Ellis, sobre as relações existentes entre Obàtálá e Odùduà. Mal infirmado e dotado de uma imaginação fértil, o reverendo padre expôs no seu livro sobre as religiões de Porto Novo (que não é país ioruba) informações erradas, as quais nos referimos nos capítulos sobre Xangô e Iemanjá.

O Padre Baudin feminiliza Odùduà para fazer dele a companheira de Obàtálá (ignorando que este papel era desempenhado por Yemowo). Fechou esse casal Obàtálá- Odùduà (formado por dois machos) numa cabaça e construiu, partindo desta afirmação inexata, um sistema dualista, recuperado com proveito por posteriores estruturalistas, onde "Obàtálá (macho) é tudo o que está em cima e Odùduà (pseudofêmea), tudo o que está embaixo; Obàtálá é o espiritual, e Odùduà a matéria; Obàtálá é o firmamento e Odùduà é a terra".

A obra de Baudin, copiada por Ellis, foi o ponto de partida de uma série de livros escritos por autores que se copiaram uns dos outros sem colocar em questão a plausibilidade do que fora escrito por seus predecessores. O Padre Labat constatava já com certa ironia, em 1722, que "certas informações foram dadas por uma quantidade de autores" e acrescentava: "mas talvez seja a opinião daquele que escreveu primeiro e que os outros seguiram copiando sem se inquietarem se elas estavam bem ou mal fundamentadas".

A respeito de Odùduà, acumulou-se com o tempo uma vasta documentação escrita, tida como erudita porque é constituída de textos, a única valiosa aos olhos letrados, mesmo que estes textos estejam inspirados por escritos anteriores inexatos e contrários à verdade.

Esta tradução "erudita" continuou a reinar entre os pesquisadores na África. O Padre Bertho publicou em 1950 um artigo, onde ele declarava "ter visto em Porto Novo, no antigo Palácio Akron, um altar dedicado ao casal de divindades Lisa-Odùduà. Lisa era representada por uma cabaça branca na frente de um muro pintado de branco, enquanto Odùduà o era por uma cabaça preta sobre um muro preto". Interessados por essa descrição foram visitar esse lugar, em 1952. A realidade era outra. O Padre Bertho fizera uma terrível mistura, pois Lisa é, para os fon, o nome de Òrìàálá dos iorubás, como Dudua o é para os habitantes de Porto Novo. O par era formado por uma única divindade. Havia na realidade uma cabaça branca e uma parte do muro pintado de branco, mas era para Dudua (que, segundo Bertho, seria preto). Quanto à cabaça preta no muro preto, eles eram avermelhados, em homenagem a Xangô.

Durante pesquisas que tivemos ocasião de fazer na África, em diversas regiões onde se fala ioruba, jamais encontramos rastros das lendas Baudin-Ellis nos meios tradicionais.
Lembremos que há, entretanto, um casal do qual faz parte Òrìàálá, mas sua mulher é Yemowo. Ela pode ser vista sob forma de imagens, no ilésìn do templo de Obàtálá-Òrìsàálá, em Ideta-Ilê Ifé. Esta mesma divindade leva os nomes de Lisa e Mawu, adotada pelos fon. Elas são adoradas no templo do bairro Djena, em Abomey, e simbolizam: "Lisa, o princípio masculino, com o oriente, o dia e sol, e Mawu, o princípio feminino, com o ocidente, à noite e a lua". Mas, insistimos, eles correspondem ao casal Òrìsàálá e Yemowo e não Òrìsàálá e Odùduà.

Oxalá no Novo Mundo

No Novo Mundo, na Bahia particularmente, Oxalá é considerado o maior orixás, o mais venerável e o mais venerado. Seus adeptos usam colares de contas brancas e vestem-se, geralmente, de branco. Sexta-feira é o dia da semana consagrado a ele. Esse hábito de se vestir de branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o prestígio de Oxalá. É sincretizado na Bahia com o Senhor do Bonfim, sem outra razão aparente senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais.

Porém, em Cuba, Òsàlá é relacionado com Nuestra Señora de la Merced.

Diz-se na Bahia que existem dezesseis Oxalás:

Obatalá, Odudua, Orixá Okin, Orixá Lulu, Orixá Ko, Oluiá Babá Roko, Oxalufã, Babá Epe, Babá
Lejugbe, Oxaguiã, Orixá Akanjapriku, Orixá Ifuru, Orixá Kere, Babá Igbô, Ajaguna, Olissassa.
Notemos que Babá Lejugbe é sem dúvida Òrìsà Ijùgbe na África, onde é igualmente chamado Òrìsà Eteko, um companheiro de Obàlátá; Ajaguma é um dos nomes de Òrìa Ogiyán, que na Bahia é também chamado de Babá Elemessô; babá Igbô é o próprio Òrìsàálá. Olissassa no Brasil a versão daomeana (gêge) de Lisa. Quanto a Odùdùa, ele figura nesta lista, sem dúvida por causa de sua presença nos mitos de criação do mundo.

Dos orixás funfun, os mais conhecidos na Bahia são os mesmos dos quais falamos para África,
Oxalufã, o Oxalá velho, e Oxaguiã, o jovem.

Existe uma lenda sobre eles, conhecida na Bahia e na África, da qual Lydia Cabrera dá também uma versão que recolheu em Cuba.

"Oxalufã, rei de Ifan, decidira visitar Xangô, o rei de Oyó, seu amigo. Antes de partir, Oxalufã consultou um babalaô para saber se sua viagem se realizaria em boas condições. O babalaô respondeu que ele seria vítima de um desastre, não devendo, portanto, realizar a viagem. Oxalufã, porém, tinha um caráter obstinado e persistiu em seu projeto, perguntando que sacrifícios poderia fazer paramelhorar a sua sorte. O babalaô lhe confirmou que a viagem seria muito penosa, que teria de sofrer numerosos reveses e que, se não quisesse perder a vida, não deveria jamais recusar os serviços que, por acaso, lhe fossem pedidos, nem reclamar das conseqüências que disso resultassem. Deveria, também, levar três roupas brancas para trocar e sabão.

Oxalufã se pôs a caminho e, como fosse velho, ia lentamente, apoiado em seu cajado de estanho. Encontrou, logo depois, Èsù Elèpo Pupa (‘Exu-Dono-do-Azeite-de-Dendê’), sentado à beira da estrada com um barril de Azeite-de-Dendê ao seu lado. Após uma troca de saudações, Exu pediu a Oxalufã que o ajudasse a colocar o barril sobre a sua cabeça. Oxalufã concordou e Exu aproveitou para, durante a operação, derramar, maliciosamente, o conteúdo do barril sobre Oxalufã, pondo-se a zombar dele. Este não reclamou, seguindo as recomendações do babalaô; lavou-se no rio próximo, pôs uma roupa nova e deixou a velha como oferenda. Continuou a andar com esforço, e foi vítima, ainda por duas vezes, de tristes aventuras com Èsù-Eléèdu (‘Exu-Dono-do-Cavão’) e Èsù Aláàdì (‘Exu-Dono-do-Óleo-da-Amêndoa-de-Palma). Oxalufã, sem perder a paciência, lavou-se e trocou de roupa após cada um das experiências.Chegou, finalmente, à fronteira do reino de Oyó e lá encontrou um cavalo que havia fugido, pertencente a Xangô. 
 
No momento em que Oxalufã quis amassar o animal, dando-lhe espigas de milho, com a intenção de levá-lo ao seu dono, os servidores de Xangô, que estavam à procura do animal, chegaram correndo. Pensando que o homem idoso fosse um ladrão, caíram sobre ele com golpes de cacete e jogaram-no na prisão. Sete anos de infelicidade se abateram sobre o reino de Xangô. A seca comprometia a colheita, as epidemias acabavam com os rebanhos, as mulheres ficavam estéreis. Xangô, tendo consultado um babalaô, soube que toda essa desgraça provinha da injusta prisão de um velho homem. Depois de seguidas buscas e muitas perguntas, Oxalufã foi levado à sua presença e ele reconheceu seu amigo Oxalá. Desesperado pelo que havia acontecido, Xangô pediu-lhe perdão e deu ordem aos seus súditos para que fossem, todos vestidos de branco e guardando silêncio em sinal de respeito, buscar água três vezes seguidas a fim de lavar Oxalifã. Em seguida, este voltou a Ifan, passando por Ejigbô para visitar seu filho Oxaguiã, que, feliz por rever seu pai, organizou grandes festas com distribuição de comidas a todos os assistentes."
Essa lenda é comemorada todos os anos na Bahia, em certos terreiros, particularmente naqueles de origem kêto, por um ciclo de festas que se estende por três semanas.
Numa sexta-feira, dia da semana que no Brasil é consagrado a Oxalá, os axés do deus são retirados do seu "pejí" e levados em procissão até uma pequena cabana, feita de palmas traçadas e simbolizando a viagem de Oxalufã e a sua estadia na prisão.
Na sexta-feira seguinte, ou seja, sete dias após, representando sete anos de encarceramento, tem lugar a cerimônia das "Águas de Oxalá", águas para lavar Oxalá. Todos os que participam da cerimônia chegam na véspera, à noite. O maior silêncio é observado, a partir da quinta-feira ao findar do dia, estendendo-se até a manhã do dia seguinte. Os participantes vão, antes da aurora, pegar as "Águas de Oxalá", todos vestidos de branco e com a cabeça coberta com um pano igualmente branco. Forma um longo cortejo que vai em silêncio, precedido por uma das mais antigas mulheres dedicadas a Oxalá, que agita, sem parar, um pequeno sino de metal branco, chamado adja. Fazem três viagens até a fonte sagrada. Nas duas primeiras, a água derramada sobre os axés de Oxalá. Essa parte do ritual é realizada como lembrança das pessoas do reino de Oyó que foram, em silêncio e vestidas de branco, buscar água para Oxalufã lavar-se. Na terceira vez, que ocorre ao nascer do dia, os vasos cheios d’água são arrumados em volta do axé de Oxalá. A proibição de falar é sustada, cânticos acompanhados pelo ritmo dos tambores são entoados e transes de possessão se produzem entre as filhas de Oxalá, como testemunho da satisfação do deus.
No domingo seguinte, tem lugar uma cerimônia, pouco importante, mas exatamente uma semana depois, realiza-se uma procissão que leva os axés de Oxalá ao seu "pejí" simbolizando a volta de Oxalufã ao seu reino.
O terceiro domingo, finalizando o ciclo das cerimônias, é chamado de "Pilão de Oxaguiã" e evoca as preferências gastronômicas desse personagem. Distribuições de comida são realizadas em seu nome, a fim de festejar a volta do pai. Nesse dia, uma procissão leva ao barracão pratos contendo inhame pilado e milho cozido, sem sal e sem azeite-de-dendê, mas com limo da costa. Pequenas varas de arorí, chamadas ìsán, são entregues aos oxalás manifestados, às pessoas ligadas ao terreiro e aos visitantes importantes. Uma roda se forma, onde os dançarinos passam curvados diante dos orixás, que lhes dão, à passagem, um ligeiro golpe de vara; por seu lado, os que foram assim tocados dão e recebem, ao rodarem, golpes de vara da assistência. Há, sem dúida, nessa parte do ritual, reminiscência da luta de Ejigbô, no dia da festa de Oxaguiã.
Uma versão sincretizada das "Águas de Oxalá" é a lavagem do chão da Basílica do Senhor do Bonfim que acontece todos os anos na Bahia, na quinta-feira precedente ao domingo do Bonfim. Alguns piedosos católicos tinham o hábito de lavar zelosamente o chão da igreja, um ato de devoção que não é particular a esse templo. No Bonfim, porém, tomou um caráter diferente, pois os descendentes de africanos, movidos por um sentimento de devoção, tanto ao Cristo como ao deus africano, fizeram uma aproximação entre as duas lavagens: a dos axés de Oxalá e aquela do solo da igreja que leva o nome católico do mesmo orixá. Os devotos aparecem em grande número a fim de participarem da lavagem, na quinta-feira do Bonfim.

Essa festa é atualmente, uma das mais populares da Bahia. Nesse dia, as baianas, vestidas de branco, cor de Oxalá, vão em cortejo à igreja do Bonfim. Trazem na cabeça potes contendo água para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar. São acompanhadas por uma multidão, onde sempre figurão as autoridade civis do Estado da Bahia e da cidade de Salvador.

Arquétipo

O arquétipo de personalidade dos devotos de Oxalá é aquele das pessoas calmas e dignas de confiança; das pessoas respeitáveis e reservadas, dotadas de força de vontade inquebrantável que nada pode influenciar. Em nenhuma circunstância modificam seus planos e seus projetos, mesmo a despeito das opiniões contrárias, racionais, que as alertam para as possíveis conseqüências desagradáveis dos seus atos. Tais pessoas, no entanto, sabem aceitar, sem reclamar, os resultados amargos daí decorrentes.

O imenso respeito que o Grande Orixá inspira às pessoas do candomblé revela-se plenamente quando chega o momento da dança de Oxalufã, durante o xirê dos orixás. Com essa dança, fecha-se geralmente à noite, e os outros orixás presentes vão cerca-lo e sustenta-lo, levantando a bainha de sua roupa para evitar que ele a pise e venda a tropeçar. Oxalufã e aqueles que o escoltam seguem o ritmo da orquestra, que interrompem a cadência em intervalos regulares, levando-os a dar alguns passos hesitantes, entrecortados de paradas, no decorrer dos quais o conjunto de orixás abaixa o corpo, deixa cair os braços e a cabeça, por um breve momento, como se estivessem cansados e sem força. Não é raro ver pessoas que, vindas como espectadoras, deixa-se tomar pelo ritmo, dançam e agitam-se em seus lugares, acompanhando o desfalecer do corpo e a retomada dos movimentos, conjuntamente com os orixás, num afã de comunhão com o Grande Orixá, aquele que foi, em tempos remotos, o rei dos igbôs, longe, bem longe, em Iluayê, a terra da África.

ORANIAN (ÒRÀNMÍYÀN)



ORANIAN (ÒRÀNMÍYÀN)

"Òrànmíyàn (Oranian) foi o filho mais novo de Odùduà e tornou-se o mais poderoso de todos eles; aquele cuja fama era a maior em toda a nação iorubá. Tornou-se famoso como caçador desde a juventude e, em seguida, pelas grandes, numerosas e proveitosas conquistas que realizou. Foi o fundador do reino de Oyó. Uma de suas mulheres, Torosí (Torosi), filha de Elempe, o rei da nação Tapa (ou Nupê), foi a mãe de Xangô, que mais tarde, subiu ao trono de Oyó. Oranian instalou um outro filho seu. Eweka, como rei em Benim, tornando-se ele próprio Óòni de Ifé.
Oranian foi concebido em condições muito singulares, que, sem dúvida, espantariam os geneticistas modernos. Uma lenda relata Omo Ogum, durante uma de suas expedições guerreiras, conquistou a cidade de Ogatún, saqueou-a e trouxe um espólio importante. Uma prisioneira e rara beleza chamada Lakanjê agradou-lhe tanto que ele não respeitou sua virtude. Mais tarde, quando Odùduà, pai de Ogum, a viu, ficou perturbado, desejou-a por sua vez e fez dela uma de suas mulheres. Ogum, amedrontado, não ousou revelar a seu pai o que se passara entre ele à bela prisioneira. Nove meses mais tarde. Oranian nascia. Seu corpo era verticalmente dividido em duas cores. Era preto de um lado, pois Ogum tinha a pele escura do outro, como Odùduà, que tinha a pele muito clara.
Essa característica de Oranian é representada todos os anos em Ifé, por ocasião da festa de olojo, quando o corpo dos servidores do Óòni é pintado de preto e branco. Eles acompanham Óòni de seu palácio até Òkè Mògún, a colina onde se ergue um monólito consagrado a Ogum. Essa grande pedra é cercada de màrìwò òpè, franjas de palmeiras desfiadas, e, nesse dia, os sacrifícios de cão e galo são aí pendurados. Óòni chega vestido suntuosamente, tendo na cabeça a coroa de odùduà, É uma das raras ocasiões, talvez mesmo a única do ano, em que ele a usa publicamente, fora do palácio. Chegando diante da pedra de Ogum, ele cruza por um instante sua espada com Osògún, chefe do culto de Ogum em Ifé, em sinal de aliança, apesar do desprazer experimentado por Odùduà quando descobriu que não era o único pai de Oranian.
Oranian, como já dissemos, foi o fundador da dinastia dos reis de Oyó. O mito da criação do mundo tal como é contado em Oyó atribui-lhe esse ato e não a Odùduà.
Estes dois personagem são os fundadores das respectivas linhagem reais de Oyó e de Ifé, o que bem demonstra que o mito da criação do mundo é, de uma lado e outro, o reflexo da lenha histórica da origem das dinastias que dominam nesses dois reinos.
A supremacia estabelecida por Oranian sobre seus irmãos nos é narrada em uma lenda recolhida no século passado Oyó:
"No começo, a terra não existia... No alto era o céu, embaixo era a água e nenhum ser animava nem o céu nem a água. Ora, o todo-Poderoso Olodumaré, o senhor e o pai de todas as coisas... criou, inicialmente, sete príncipes coroados... Em seguida... sete sacos nos quais havia búzios, pérolas, tecidos e outras riquezas. Criou uma galinha e vinte e uma barras de ferro. Criou, ainda, destro de um pano preto, um pacote volumoso cujo conteúdo era desconhecido. E, finalmente, uma corrente de ferro muito comprida, na qual prendeu os tesouros e os sete príncipes. Depois, deixou cair tudo do alto do cér... No limite do vazio só havia água... Olodumaré, do alto de sua morada divina, jogou uma semente que caiu na água. Logo, uma enorme palmeira cresceu até os príncipes, Oferecendo-lhe um abrigo grande e seguro, entre as suas palmas. Os príncipes se refugiaram ali e se instalaram com suas bagagens. Eram todos príncipes coroados e conseqüentemente, todos queriam comandar. Resolveram separar-se. Os nomes desses sete préncipes eram: Olówu, que se tornou rei do Egbá; Onisabe, que se tornou rei de Savé; Orangun, que reinou em Ila; Óòni, que foi soberano de Ifé; Ajero, que se tornou rei de Ijerô; Alákétu, que reinou em Kêto; e o último criado, o mais jovem, Òrànmíyàn, que se tornou rei de Oyó.
Antes de se separarem para seguirem seus destinos, os sete príncipes decidiram reparti entre eles a soma dos tesouros e das provisões que o Todo-Poderoso lhes havia dado. Os seis mais velhos pegaram os búzios, as pérolas, os tecidos e tudo o que julgaram precioso ou bom para comer. Deixaram para o mais moço o pacote de pano preto, as vinte e uma barras de ferro e a galinha... Os seis príncipes partiram à descoberta nas folhas de palmeira. Quando Oranian ficou sozinho, desejou ver o que continha o pacote envolto no pano preto. Abriu-o e viu uma porção de substância preta que ele desconhecia... sacudiu então o pano e a substância preta caiu na água e não desapareceu. Formou um montículo. A galinha voou para pousar em cima. Ali chegando, ela pôs-se a ciscar essa matéria preta, que se espalhou para longe. E o montículo se ampliou e ocupou o lugar da água. Eis aí como nasceu a terra.
Oranian apresou-se em descer para o domínio, assim formado pela substância negra, e tomou posse da terra. Por sua vez, os outros seis príncipes desceram da palmeira. Quiseram tomar a terra de Oranian, como já lhe haviam tomado, na palmeira, sua parte dos búzios, das pérolas, dos tecidos e dos alimentos... Mas Oranian tinha armas; suas vinte e uma barras de ferro haviam se transformado em lanças, dardos, fechas e machados. Com a mão direita, ele brandia uma longa espada, e lhes dizia: "Esta terra é só minha. Lá em cima, quando me roubaram, vocês me deixaram apenas esta terra e este ferro. A terra cresceu e o ferro também; com ele defenderei a minha terra! Vou matar todos vocês. Os seis príncipes pediram clemência, rastejaram aos pés de Oranian, suplicantes. Pediram-lhe que cedesse uma parte de sua terra para que pudessem viver, e continuar príncipes... Oranian poupou-lhes a vida e deu-lhes uma parte da terra. Exigiu apenas uma condição: esses príncipes e seus descendentes deveriam permanecer sempre seus súditos e de seus descendentes; deveriam, todo ano, vir presta-lhe homenagem e pagar os impostos na sua cidade principal, para demonstrar e lembrar que eles tinham recebido, por condescendência, a vida e sua parte de terra. Eis aí como Oranian tornou-se rei de Oyó e soberano da nação iorubá é, de toda a terra."
Porém, Ifé reivindica a preponderância sobre Oyó. É em Ifé que está guardado o sabre de Oranian, chamado "sabre da Justiça", que os reis de Oyó devem segurar nas mãos durante as cerimônias de entronização, para garantir sua futura autoridade.
Vêem-se ainda em Ifé duas outras relíquias de Oranian: um grande monólito, o Òpá Òrànmíyàn, seu escudo.

ORUNMILÁ (ÒRÚNMÌLÀ)



ORUNMILÁ (ÒRÚNMÌLÀ)


Orunmilá é na tradição de Ifé o primeiro companheiro e "Chefe Conselheiro" de Odùduà quando de sua chegada a Ifé. Outras fontes dizem que ele estava instalado em um lugar chamado Òkè Igèti antes de vir fixar-se em Òkè Itase. Uma colina em Ifé onde mora Àràbà, a mais outoridade em matéria de adivinhação, pelo sistema chamado Ifá. Orunmilá é também chamado Àgbónmìrégún ou Èlà. É o testemunho do destino das pessoas e, por esta razão, é chamado Eléèrì Ípín.
Apesar de suas altas posições, Orunmilá e Olodumaré, o deus supremo, consultam Ifá em certas
cerimônias, para saberem o que lhes reserva o destino.
Os babalaôs, "pais do segredo", são os porta-vozes de Orunmilá, que não é orixá nem ebora. A iniciação de um babalaô não comporta a perda momentânea de consciência que acompanha a dos Orixás. Não se trata de ressuscitar no inconsciente do babalaô o "eu perdido", correspondente à personalidade do ancestral divinizado. É uma iniciação totalmente intelectual. Ele deve passar por um longo período de aprendizagem de conhecimentos precisos em que a memória, principalmente, entra em jogo. Precisa aprender uma quantidade enorme de histórias e de lendas antigas, classificadas nos duzentos e cinqüenta e seis odù ou signos de Ifá, cujo conjunto forma uma espécie de enciclopédia oral dos conhecimentos tradicionais do povo de língua iorubá.
Todo indivíduo nasceu ligado a um desses duzentos e cinqüenta e seis odù. No momento do nascimento de uma criança, os pais pedem ao babalaô para indicar a que odù a criança está ligada. O odù dá a conhecer a identidade profunda de cada pessoa, serve-lhe de guia na vida, revela-lhe o orixá particular, ao qual ela deve eventualmente ser dedicada, além do da família, e dá-lhe outras indicações que a ajudarão a comportar-se com segurança e sucesso na vida.
Orunmilá é consultado em caso de dúvida, quando as pessoas tem uma decisão importante a tomar a respeito de uma viagem, de um casamento, de uma compra ou venda,ou ainda por aquelas que procuram determinar a causa de uma doença.
Dois sistemas permitem ao babalaô encontrar o signo de Ifá que está sendo procurado, chave do problema que lhe apresenta o consulente. Um deles é bastante elaborado, manipula-se de acordo com certas regras, dezesseis caroços dos frutos do dendezeiro, os ikin Ifá; o outro é mais simples e consiste em utilizar um opele Ifá, uma corrente onde estão enfiadas oito metades de caroço de certa fruta.
Uma vez determinado o odù desses processos, a resposta a ser dada ao consulente é encontrada pelo babalaô interpretando o contexto das histórias tradicionais, correspondentes a esse odù.
Orunmilá, embora não sendo um orixá, participa muitas vezes de Ifá, da vida, e das aventuras dos deuses iorubás.
Conta-se que ele teve relações amorosas com umcerto número de divindades, como Iemanjá, Ajé a riqueza, filha de Olókun, Oxum e muitas outras mulheres, entre as quais podemos citar: Osúmiléyò e Apètèbì, que é o titulo usado pela mulher fazer a adivinhação. Há ainda sua mulher Odù, cujo símbolo é Igbàdú, a cabaça de Odù, da qual falamos em outra publicação.
Há outros sistemas de adivinhação derivado do sistema de Ifá, porém sem ligação com Orunmilá. Em um deles, Utilizam-se dezesseis búzios e é Exu quem dá as respostas; num outros são usados as quatro partes de uma noz de cola e é orixá que responde diretamente às perguntas do consulente.

NANÃ BURUKU (NÀNÁ BURUKU/NÀNÁ BÙKÙÚ/NÀNÁ BRUKUNG)


NANÃ BURUKU (NÀNÁ BURUKU/NÀNÁ BÙKÙÚ/NÀNÁ BRUKUNG)

Nàná Buruku na África

Nàná Buruku ou Nàná Bùkùkú ou Nàná Brukung é uma divindade muito antiga. A área que abrange o seu culto é muito vasta e parece estender-se de leste, além do Níger, pelo menos até a região tapa, a oeste, além do volta, nas regiões dos guang, ao nordeste dos asbantí.
No entanto, se o culto de Nanã Buruku confunde-se no leste com o de Xapanã Obaluaê-Omolu, dele se afasta completamente no oeste, onde seu nome se pronuncia Nàná Brukung ou simplesmente Brukung.
Parece que, segundo as informações publicadas em notas recolhidas em Oyó, Abeohutá, Kêto, Ifanhim, Saketê e Porto Novo, o Lugar de Procedência, nessas regiões, sejam Savê. No entanto, este é na realidade o local de disseminação desse culto e não seu lugar de origem.
Em Savê e nas regiões mais a oeste não houve essa confusão. Encontramos aí o culto de Nàná Bùkùú, mas também o de várias outras Nanãs, ali chamadas Nèné, uma das quais seria de origem bariba. Isso lembra que a antiga dinastia originária de um filho de Odùduà, fundador de Savê, mais tarde abandonou o trono (para voltar para Ipetumodu, Perto de Ifé) e deu lugar a uma nova dinastia vinda de território bariba.
Por outro lado, é preciso ressaltar que Nàná é um termo de deferência empregado na região de Ashanti para as pessoas idosas e respeitáveis e que esse mesmo termo significa "mãe" para os fon, os ewe e os guang da atual Gana.
Todas as pesquisas feitas a respeito de Nanã Buruku em Dassa Zumê, Abomey, Dumé, Tchetti, Bobé, Lugbá, Banté, Djagbala, Kpesi e Atakpamê indicam Siadé ou Schiari, na região do Adelê do atual Gana e perto da fronteira do Togo, como destino de peregrinação e não como lugar de origem.
É difícil saber, no estado atual das pesquisas, quais são os laços existentes entre todas as divindades cujo nome é precedido de Nàná ou Nèné. Elas são chamadas de Inie e parecem todas desempenhar um papel de deus supremo. Em todos esses templos há um assento sagrado salpicado de vermelho, em forma de trono ashanti, reservado à sacerdotisa de Inie, no qual só ela pode tocar. Todos os iniciados ligados ao templo têm grandes bengalas salpicadas de pó vermelho e, em torno do pescoço, usam cordinhas trançadas sustentando uma conta achatada de cor verde.
O ponto extremo a oeste, até onde nos foi possível fazer pesquisas, foi Atakpamê, no Togo, onde há um templo importante de Nanã Buruku. Ali vivem os aná, originários de Ifé que teriam deixado, talvez, antes da chegada de Odùduà. Os estudos realizados não chegaram a uma conclusão: se eles teriam habitado a região de Adetê, antes de se fixarem em Atakpamê, esboçando um movimento de retorno para o leste, ou então se os aná, segundo outra hipótese, teriam lutado entre si, por ocasião de sua chegada em Atakpamê. Um velho caçador os teria abandonado, indo refugiar-se em Odum (Odómi), perto de Schiari, sede da divindade Bùkùú ou Brukung. "Ela está lá" diz-se em Atakpamê, "dela, aqui, só há representações".
De Atakpamê, como de Kpesi, Tchetti, Dassa Zumê, Savê, Abomey e, provavelmente, Abeokutá, as pessoas cosagradas a Nanã Buruku vão fazer peregrinação em Schiari, no Adélé.
Em Atakpamê forneceram-nos pormenores a respeito dessas peregrinações: "Realizam-se de três em três anos e é preciso fazer três peregrinações sucessivas. Depois disso, suas famílias, devendo abster- se de ter relações sexuais. Durante esse período, devem suportar certas provocações para demonstrar que são dignos de participar da viagem para o Adelê. A peregrinação é dirigida pelo Olíbùkùú, sacerdote da Bùkùú. As famílias acompanham os que partem até a aldeia de Olibissô, vizinha de Atakpamê, onde se despedem. É também ali que as famílias vêm esperar a volta dos peregrinos, três meses mais tarde. Eles partem munidos de grandes bastões, de cerca de dois metros de comprimento, e se um dos peregrinos morrer no caminho, o Olíbùkùú, ao voltar, devolve o bastão à família do finado sem nada dizer. Seu desaparecimento é considerado um castigo aplicado pela divindade, e não se pode realizar cerimônia alguma pelo repouso de sua alma. Ao voltar, cada peregrino deverá ser acompanhado por uma criança. Que desempenhará, em seu lugar, as atividades que lhe são proibidas até o fim de sua iniciação, por um período de seis anos e três meses, isto é, isto é, entre a partida da primeira peregrinação e a volta da terceira. Só algumas famílias têm o direito de participar do culto: od Koko Gberi, os Koko Sale, os Lema, os Lama, Os Modji que vivem em Atakpamê, Tchetti, Kpesi e Savalu".
Sobre Schiari ou Schiadé, a menos que seja Siarê ou Siadê, temos informações datadas de 1896, quando o Tenente Conde Zeck, chefe do posto de Krete-Kratchi e futuro governador do Togo alemão, dirigiu um "comando" contra os habitntes de Schiari e deu a conhecer em seu relatório que "Siadê (ou Siarê) era antes a capital do país Atyuti (Adjuti) e a sede do ídolo Buruku, conhecido em regiões mais longínquas por causa de seu podr. Por essa razão, a região se chama também, em Tschi, Buruku obose,isto é, a região de Buruku. Para se ter uma idéia do poder que teria esse ídolo, é significativo que os reis do Dagomba, do Ashanti, de Gonya, de Tschautcho procurassem, sobretudo em períodos de guerras, obter a proteção do ídolo por meio de presentes e de embaixadas. O feiticeiro era o rei da região e opunha ao governo alemão uma resistência pacífica... Tive que marchar contra o chefe de Siadê. Ele se sentia em segurança na sua residência pelo fato de ser ela cercada, por todos os lados, de altas Montanhas difíceis de serem transpostas. Um só caminho era praticável para uma tropa importante: passava por Odomi, de onde o chefe podia ser prevenido a tempo a tempo, se uma ação fosse empreendida contra ele. Em 4 de outubro de 1896, conseguiu-se prende-lo através de uma incursão. Escolhi, partindo de Bismarckburg, outro itinerário que só era utilizado por comerciantes de borracha extraída nas florestas da região, passando por Digpelleu, Tshoye, Aibahomi e uma montanha extraordinariamente escarpada. Assim chegamos a Siadê, sem que o chefe tivesse sido prevenido de nossa vinda. Ele estava vestido com uma pele de leopardo, sentado em uma cadeira defronte da casa.Foi preso e amarrado. Em sua casa encontravam-se duas imagens de ídolos feitas em uma barra de ferro afiadas, arrematadas por um cabo em forma de pêra, em material desconhecido. Essas espécies de bengala eram fincadas no chão no momento dos sacrifícios, das festas, etc. Vários outros objetos e uma bengala de madeira comum em cuja extremidade superior foram conservado pequenos pedaços de galhos, tendo também um acabamento em forma de pêra, como nas imagens dos ídolos, porém cobertos de sangue e de penas de galos que são, com toda a certeza, vestígios de sacrifícios.
De um trabalho sobre o Adjati, datado de 1934, redigido por J.C. Guinness extraímos algumas informações sobre as origens de Brukung que, embora discutível, apresentam o interesse de terem sido recolhidas na região do Adélé, de um informante do Kotokoli, região vizinha. No trabalho citado, há a curiosa indicação de que na fronteira dos paises Haussa e Zaberima (Djerma) há um rio chamado Kwara (Níger) que deu seu nome a uma cidade situada às suas margens. Em uma gruta, no fundo do rio, vivia outrora um grande ídolo chamado Brukung e com ele viviam sua mulher, seu filho e um homem chamado Langa, que era o criado de Brukung. Viviam todos juntos na gruta. Na cidade de Kwara vivia um homem chamado Kondo, um homem bom que era conhecido, mesmo nos locais mais distantes, pelo nome de Kondo Kwara. Tinha o costume de todos os dias colocar oferendas de galos e de pito (beberagem) e algumas vezes um carneiro nas margens do rio Longo vinha pegá-los e os levava para a gruta debaixo dágua. Um dia, porém, um grupo de pescadores haussa veio da Nigéria para pescar no rio Kwara. Roubaram as oferendas e Kondo ficou tão contrariado que foi para Gbafolo, na região Kotokoli, e instalou-se com sua família em Dikpileu, a seis ou sete milhas dali. Brukung, por sua vez, foi viver em uma gruta na floresta próxima de Dikpileu. Kondo soube disso e recomeçou a colocar suas oferendas. Longa reapareceu também, trazendo assentos que fizera na gruta de Kwara. Mais tarde Kondo reencontrou Brukung. Porém, pouco tempo depois, uma invasão ashanti obrigou Brukung e os seus a refugiarem-se em Shiari.
É interessante constatar que uma lenda recolhida no extremo oeste da área de difusão do culto de Nanã Buruku faça alusão à outra situada no extremo leste dessa mesma área, falando de Kwara, que é o nome utilizado para designar o Estado, na Nigéria, onde vivem os tapa.
Deve-se ver nessa lenda uma transposição de antigos fatos históricos e alusões às migrações leste – oeste, de que falamos no capítulo precedente. Nele evocávamos a migração Ga que foi Benim para Accra, no reinado de Udagbede no fim do século XIII, com posterior retorno para o leste provocado pelas guerras do ashanti, Daryll Forde escreve a esse respeito que a região entre o Weme e o Mono foi ocupada por um refluxo de iorubás estabelecidos perto de Mono, especialmente nas proximidades de Kpesi. A fundação de Kpesi parece ter sido muito antiga, enquanto a das aldeias ao norte de Savalu, fundadas pelos emigrantes que voltavam para o oeste, data do fim do século XVIII, depois que desapareceu a pressão exercida pelos ashanti.
Em toda a região dos Itcha de Dassa Zumê e seguindo para o oeste, voltando à fonte que seria Schiari, encontra-se, nos templos de Nàná Brukung, o mesmo objeto enigmático descrito pelo Tenente Conde Zeck, esse cabo em forma de Pêra, feito com material não identificado, cujo simbolismo nos escapa. Lembremos que nas regiões do oeste esse culto é completamente diferente do de Sapata-Xapanã- Obaluaê-Omolu, enquanto no leste em nenhum templo encontra-se esse estranho cabo em forma de pêra e que o culto de Nàná Brukung, muitas vezes, é confundido com o de Xapanã-Obaluaê-Omolu. Somos, pois, levados a pensar que poderia haver duas divindades cujos nomes se assemelhassem e cujos cultos, porém diferissem sensivelmente. Uma dentre elas teria permanecido independente no oeste, enquanto a outra teria sido incorporada a um culto local.

Cerimônias para Nanã Buruku

A população de Tchetti faz parte dos grupos emigrantes de Ifé, em uma época que antecedeu a chagada de Odùduà e que hoje não mais fazem parte de um reino propriamente dito. "Eles se comportam, escreve J. Igué, "como populações asiladas e apresentam uma estrutura social pouco desenvolvida, limitada unicamente ao poder aldeão. Mas, na ausência de Estado, o impacto das religiões tradicionais é muito forte na sociedade e são precisamente os chefes religiosos que garantem a coesão social".
Tivemos oportunidade de assistir, em Tchetti, às danças em honra de Nanã Brukung.
Na noite anterior, realizou-se a vigília. O quadro era impressionante. Algumas pedras grandes, amontoadas no flanco da colina, avançavam sobre a aldeia. Distinguiam-se, ainda confusamente, os tons avermelhados dos telhados de palha e da vegetação amarelada pela seca. Anoitecendo, não se distinguia mais que a primeira fila dos espectadores, levemente iluminados pela luz de lampião e pelas chamas ondulantes de uma fogueira. As pessoas reunidas bebiam muito sèketé, cerveja de milho, e sapalo, cerveja de milho miúdo. Houve danças de caráter profano em que os dançarinos executavam alguns passos rápidos e batiam os pés, com o corpo inclinado pra frente e os cotovelos jogados bem para trás, em movimentos vivos e enérgicos. Os cantos tinham um curioso aspecto de uivos em que as inflexões das vozes subiam e desciam uma oitava em tempos alternados. Um agogô destacava o ritmo, baseado em uma alternância de duas pancadas fortes, seguidas de duas outras mais fracas.
As danças para Nanã Brukung realizaram-se no dia seguinte, ao redor de uma árvore (odan), um fícus que permaneceu verde, produzindo uma sombra fresca no meio da aridez geral da paisagem. Os dançarinos, de idade avançada, faziam evoluções ao som de tambores apinti e de sinos de percussão. Tinham a cabeça raspada e, em volta dela, um círculo foi desenhado com asùn. Manchas brancas foram feitas com efun (giz) sobre a testa e as têmporas. Estavam vestidos com uns panos, presos acima do peito ou enrolados à cintura, deixando os ombros descobertos. Seus braços e pescoço estavam ornados com pulseiras e colares. Todos eles traziam na mão um cajado salpicado de vermelho, no alto do qual fora conservado um pedaço de galho, como os descritos pelo Tenente Conde Zeck em seu relatório sobre Schiari. A dança consistia num lento desfile dos iniciados de Nanã Brukung e parecia rememorar a peregrinação por eles realizada no passado. Iam apoiados em seus batões, andando um pouco de lado, com passos lentos e circunspectos. Os pés tocavam o chão com precaução, suas atitudes imitavam a fadiga de uma longa viagem através das planícies queimadas pelo sol e os canteiros escarpados das montanhas, à volta de Schiari.
Os cantos, cujas letras são em iorubá arcaico (aná), parecem ser alusões a essa provação:
"Arua nona kò jina, a sin wa nona kò jina".
("Enganaram-me dizendo que não longe, acompanhem-me, não é longe.")
Elas param, vez por outra, inclinando-se para frente para saudar e depois arqueiam o corpo para trás.
Neste momento, os que assistem à dança vêm sustenta-los para evitar que caiam. Em seguida, dançam com precaução, a pequenos passos, inclinando-se para a esquerda e para a direita:
"Okè wa kò rigùn, Okè wa yo
Botolé mofo, o ka jodun.
Onilé wa nílé, Alejo wa berena
Binie fun mi mo gba, binie tan mi o nko bere."
[" Para o alto não podemos subir, do alto escorregamos
De volta para casa, não falar (do que se viu). Vamos celebrar a festa do ano.
O proprietário da casa está na casa, o estranho pede caminho. Se Inie me dá, eu tomo. Se Inie recusa, eu não peço."]
Algumas vezes os tambores param e iniciados interrompem também a dança. Fazem uma roda, virada para o centro, e entre as mãos fechadas, uma sobre a outra, estreitam seu cajado, num gesto semelhante ao dos inciados de Nanã Brukung no Brasil.
Constatamos que os oríkì para Nanã Brukung, colhidos em kêto e Abeokutá, cidades situadas na região leste, descrevem bem as suas diversas características definidas para esse culto na região oeste.
"Proprietária de um cajado.
Salpicada de vermelho, sua roupa parece coberta de sangue.
Orixá que obriga os fon a falar nagô.
Minha mãe era inicialmente da região bariba.
Água parada que mata de repente.
Ela mata uma cabra sem utilizar a faca."

Nanã Brukung no Novo Mundo

Nanã Brukung é conhecida no Novo Mundo, tanto no Brasil como em cuba, como a mãe de Obaluaê- Xapanã. É sincretizada com Santana no Brasil e com Nossa Senhora do Carmo ou Santa Teresa em Cuba. Os colares de contas de vidro, usados por aqueles que são consagrados . São na cor branca com lista azuis. Segundo uns, o seu dia é a segunda-feira, justamente com seu filho Obaluaê; segundo outros, é o sábado, ao lado das outras divindades das águas. Seus adeptos dançam com a dignidade que convém a uma senhora idosa e respeitável. Seus movimentos lembram uma andar lento e penoso, apoiado num bastão imaginário que os dançarinos, curvados para a frente, parecem puxar para si. Em certos momentos, viram-se para o centro da roda e colocam seus punhos fechados, um sobre o outro, parecendo segurar um bastão, num gesto semelhante ao que vimos em Tchetti, na África.
Quando Nanã Brukung se manifesta numa de suas iniciadas é saudada pelos gritos de "Salúba!" Fazem-lhe sacrifícios de cabra e galinhas-d´angola, sem utilizar facas, e oferecem-lhe pratos preparados com quiabos, sem azeite, mas bem temperados.
É considerado a mais antiga das divindades das água, não das ondas turbulentas do mar, como iemanjá, ou das águas calmas dos rios, domínio de Oxum, mas das Águas paradas dos lagos e lamacentas dos pântanos. Estas lembram as águas primordiais que Odùduà ou Òrànmíyàn (segundo a tradição de Ifé ou e Oyó) encontrou no mundo quando criou a terra.
Um mito sugere a existência de uma civilização onde Nanã Brukung (confundida com Yemowo, a mulher de Òrìsànlá-Oba-Ìgbó) estaria presente antes da chegada de Odùduà, com Ògún no seu séqüito, impondo a nova civilização do ferro hipótese já sugerida no capítulo precedente.

Arquétipo

Nanã Brukung é o arquétipo das pessoas que agem com calma, benevolência, dignidade e gentileza. Das pessoas lentas no cumprimento de seus trabalhos e que julgaram ter a eternidade à sua frente para acabar seus afazeres. Elas gostam das crianças e educam-nas, talves, com excesso de doçura e mansidão, pois têm tendência a se comportarem com a indulgência dos avós. Agem com segurança e majestade. Suas reações bem-equilibradas e a pertinência de suas decisões mantêm-nas sempre no caminho da sabedoria e da justiça.

IEMANJÁ (YEMOJÁ)




IEMANJÁ (YEMOJÁ)

Yemojá na África

Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé omo ejá ("Mãe cujos filhos são peixe"), é o orixá dos Egbá, uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemojá. As guerras entre nações iorubas levaram os Egbá a emigrar na direção oeste, para Abeokutá, no início do século XIX. Evidentemente, não lhes foi possível levar o rio, mas, em contrapartida, transportaram consigo os objetos sagrados, suportes do àsé da divindade, e o rio Ògùn, que atravessa a região, tornou-se, a partir de então, a nova morada de iemanjá. Este rio Ògùn não deve, entretanto, ser confundido com Ògún, o deus do ferro e dos ferreiros, contrariamente à opinião de numerosos autores que escreveram sobre o assunto no fim do século passado. Não nos deteremos nas extravagantes hipóteses do Padre Baudin, retomadas com entusiasmo pelo Tenente-Coronel Ellis e outros autores. Daremos, porém, em notas um resumo destes textos. 

O principal templo de Iemanjá está localizado em Ibará, um bairro de Abeokutá. Os fiéis desta divindade vão todos os anos buscar a água sagrada para lavar os axés, não no rio Ògùn, mas numa fonte de um dos seus afluentes, o rio Lakaxa. Esta água é recolhida em jarras, transportada numa procissão seguida por pessoas que carregam esculturas de madeira (ère) e um conjunto de tambores. O cortejo na volta vai saudar as pessoas importantes do bairro, começando por Olúbàrà, o rei de Ibará.
Iemanjá seria a filha de Olóòkun, deus (em Benim) ou deusa (em Ifé) do mar. Numa história de Ifá, ela aparece "casada pela primeira vez com Orunmilá, senhor das adivinhações, depois com Olofin, rei, com o qual teve dez filhos, cujos nomes enigmáticos parecem corresponder a outros orixás. Dois deles são facilmente identificados: Òsùmàrè-ègò-béjirìn-fonná-diwó ("O arco-íris-que-se-desloca- com-a-chuva-e-guarda-o-fogo-nos-seus-punhos") e Arìrà-gàgàgà-tí-í-béjirìn-túmò-eji ("O trovão-que- se-desloca-com-a-chuva-e-revela-seus-segredos").
Essas denominações representam, respectivamente, Oxumaré e Xangô.
Iemanjá, cansada de sua permanência em Ifé, foge mais tarde em direção ao Oeste. Outrora, Olóòkun lhe havia dado, por medida de precaução, uma garrafa contendo um preparado, pois "não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã, com a recomendação, pois" não se sabe jamais o que pode acontecer amanhã ", com a recomendação de quebrá-la no chão em caso de extremo. E assim, Iemanjá foi instalar-se no"Entardecer-da-Terra", o Oeste. Olofin-Odùduà, rei de Ifé, lançou seu exército à procura da sua mulher. Cercada, Iemanjá, em vez de se deixar prender e ser conduzida de volta a Ifé, quebrou a garrafa, segundo as instruções recebidas. Um rio criou-se na mesma hora, levando-a para Òkun, o oceano, lugar de residência de Olóòkun (Olokum).
Iemanjá tem diversos nomes, relativos, como no caso de Oxum, aos diferentes lugares profundos (ibù) do rio. Ela é representada nas imagens com o aspecto de uma matrona, de seios volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. Esta particularidade de possuir seios mais majestosos – ou somente um deles, segundo outra lenda – foi origem de desentendimentos com seu marido, embora ela já o houvesse honestamente prevenido antes do casamento que não toleraria a mínima alusão desagradável ou irônica a esse respeito. Tudo ia muito bem e o casal feliz. Uma noite, porém, o marido havia se embriagado com vinho de palma e, não mais podendo controlar as suas palavras, fez comentários sobre seu seio volumosos. Tomada de cólera, Iemanjá bateu com o pé no chão e transformou-se num rio a fim de voltar para
Olóòkun, como na lenda precedente.

Iemanjá recebe sacrifícios de carneiros e oferendas de pratos preparados à base de milho.
As saudações a Iemanjá são bastante interessantes, pois fazem referências às suas características físicas e morais:
"Rainha das águas que vem da casa de Olokum".
Ela usa, no mercado, um vestido de contas.
Ela espera orgulhosamente sentada, diante do rei.
Rainha que vive nas profundezas das águas.
Ela anda a volta da cidade.
Insatisfeita, derruba as pontes.
Ela é proprietária de um fuzil de cobre.
Nossa mãe de seios chorosos ".

Iemanjá no Novo Mundo

Iemanjá é uma divindade muito popular no Brasil e em Cuba. Seu axé é assentado sobre pedras marinhas e conchas, guardadas numa porcelana azul. O sábado é o dia da semana que lhe é consagrado, juntamente com outras divindades femininas. Seus adeptos usam colares de contas de vidro transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-claro. Fazem-lhe oferendas de carneiro, pato e pratos preparados à base de milho branco, azeite, sal e cebola. Na dança, suas iaôs imitam o movimento das ondas, flexionando o corpo e executando curiosos movimentos com as mãos, levadas alternadamente à teste e à nuca, cujo simbolismo não chegamos a identificar. Manifestada em suas iaôs, Iemanjá segura um abano de metal branco e é saudade com gritos de "Odò Ìyá!!!" ("Mãe do rio").

Diz-se na Bahia que há sete Iemanjás:
Iemowô, que na África é a mulher de Oxalá;
Iamassê, mãe de Xangô;
Eua (Yewa), rio que na áfrica corre paralelo ao rio Ògùn e que freqüentemente é confundido com
Iemanjá em certas lendas;
Olossá, a lagoa africana na qual deságuam os rios.
Iemanjá Ogonté, casa com Ogum Alagbedé.
Iemanjá Assabá, ela manca e está sempre fiando algodão.
Iemanjá Assessu, muito voluntariosa e respeitável.

Em Cuba, Lydia Cabrera dá sete nomes igualmente, especificando bem que apenas um Iemanjá existe, à qual se chega por sete caminhos.Seu nome indica o lugar onde ela se encontra.
"De Olokum nasceram":
Yemaya Awoyó, a maior e a mais velha de todas. É aquela que usa os trajes mais ricos e se protege com sete anáguas para fazer a guerra e defender seus filhos. Ela vive distante no mar e repousa na lagoa; come carneiro e, quando sai a passeio, usa as jóias de Olokum e coroa-se com Oxumaré, o arco-íris.
Yemaya Ogunte, é azul-clara e vive nos arrecifes próximos da praia. É a guardiã de Olokum. Sob este nome ela é a mulher de Ogum, deus da guerra; é uma amazona terrível, que traz, pendurado na cintura, um facão e outros instrumentos de ferro de Ogum. Ela é severa, rancorosa e violenta; detesta pato e adora carneiro.
Yemaya Maylewo ou Maleleo vive no mato, num lago ou numa fonte inesgotável, graças à sua presença. Como Oxum, ela tem relação com as feiticeiras. Tímida e reservada; incomoda-se quando se toca o rosto de sua iaô e retira-se da festa.
Yemaya Asaba, cujo olhar é insustentável. É muito altiva e escura apenas, virando-se de costa ou inclinando-se ligeiramente de perfil; é perigosa e voluntariosa. Usa uma corrente de prata no tornozelo. Ela foi à mulher de Orunmilá que escutou suas opiniões com respeito, apesar de ter utilizado os instrumentos da adivinhação, quando ele esteve ausente. Indignado Orunmilá expulsou-a momentaneamente.
Yemaya Konla ou Akura vive na espuma da ressaca da maré, envolta numa vestimenta de algas e lodo.
Yemaya Apara, vive na água doce, na confluência de dois rios, onde se encontra com sua irmã Oxum.
Ela dança alegremente e com bons modos; cuida dos doentes e prepara remédios.
Yemaya Asesu, mensageira de Olokum. Vive em água agitada e suja; é muito séria, come pato e é, também, muito lenta para atender aos pedidos de seus fiéis. Ela esquece o que se lhe pede e põe-se a contar meticulosamente as penas do pato que lhe foi sacrificado. Se enganar nos seus cálculos, recomeça essa operação que se prolonga indefinidamente.

No Brasil, Iemanjá é sincretizada com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, festejada no dia 8 de dezembro, e, em cuba, com a Santa Virgem de Regla, festejada no dia 8 de setembro. Nesses dois países ela é mais ligada às águas salgadas, porém, as pessoas fazem abstração, na Bahia, do sincretismo que liga Oxum a Nossa Senhora das Candeias, festejada no dia 2 de fevereiro, pois é nesta data que se organiza um solene presente para Iemanjá. Isso mostra que o sincretismo entre os deuses africanos e os santos da Igreja Católica não é de uma rigidez e de um rigor absoluto.
A festa do dia 2 de fevereiro é uma das mais populares do ano, atraindo à praia do Rio Vermelho uma multidão imensa de fiéis e de admiradores de Mãe das Águas. Iemanjá é freqüentemente representada sob a forma latinizada de uma sereia, com longos cabelos soltos ao vento. Chamam-na, também, Dona Janaína ou, mesmo, Princesa ou Rainha do Mar.
Neste dia, longas filas se formam diante da porta da pequena casa construída sobre um promontório, dominando a praia, no local onde, nos outros dias do ano, os pescadores vêm pesar os peixes apanhados durante o dia. Uma cesta imensa foi instalada de manhã, logo cedo, e começa então um longo desfile de pessoas de todas as origens e de todos os meio sociais, trazendo ramos de flores frescas ou artificiais, pratos de comidas feitas com capricho, frascos de perfumes, sabonetes embrulhados em papel transparente, bonecas, cortes de tecidos e outros presentes agradáveis a uma mulher bonita e vaidosa. Carta e súplicas não faltam, nem presentes em dinheiro, assim como colares e pulseiras. Tudo é arrumado dentro da cesta, até que, no final da tarde, ela está totalmente cheia com as oferendas, as flores colocadas por cima. O presente para Iemanjá, transformado numa imensa corbelha florida, é retirado com esforço da pequena casa e levado, em alegre procissão, até a praia, onde é colocado num saveiro. O entusiasmo da multidão chega ao seu máximo; não se escutam senão gritos alegres, saudações e Iemanjá e votos de prosperidade futura. Uma parte da assistência embarca dos saveiros, barcos e lanchas a motor. A flotilha dirige-se para o alto-ma, onde as cestas são depositadas sobre as ondas. Segundo a tradição, para que as oferendas sejam aceitas, elas devem mergulhar até o fundo, sinal da aprovação de Iemanjá. Se elas boiarem e forem devolvidas à praia, é sinal de recusa, para grande tristeza e decepção dos admiradores da divindade.
No Rio de Janeiro, em Santos e Porto Alegre, o culto de Iemanjá é muito intenso durante a última noite do ano, quando centenas de milhares de adeptos vão, cerca de meia-noite, acender velas ao longo das praias e jogar flores e presentes no mar. São seguidores de uma religião nova chamada umbanda, uma mistura entre as religiões africanas, o espiritismo de Alan Kardec e doutas elaborações filosófico-religiosas de tendências universalistas. Esse movimento espiritual conhece, no Brasil e em vários outros países das Américas, um sucesso espetacular. Seus adeptos tomaram Iemanjá como a personificação do bem e da maternidade austera e protetora. Ela é representada como uma espécie de fada, com a pele cor de alabastro, vestida numa longa túnica, bem ampla, de musselina branca com uma longa cauda enfeitada de estrelas douradas; surgindo das águas, com seus longos cabelos pretos esvoaçando ao vento, coroada com um diadema feito de pérola, tendo no alto uma estrela-do-mar. Rosas brancas e estrelas douradas, desprendidas de sua cauda, flutuam suavemente no marulho das ondas. Iemanjá aparece, magra e esbelta, com pequenos seios e o corpo imponentemente encurvado. Estamos bem longe da Iemanjá "matrona de seios volumosos".
Há alguns anos, um zeloso padre católico organizou uma procissão noturna de Nossa Senhora, ao longo das praias do Rio de Janeiro no dia 3l de Dezembro. Seu intuito era o de atrair os mais católicos, entre os devotos de Iemanjá, para uma missa noturna em sua igreja. Porém, os resultados dessa iniciativa foram bem diferentes do que ele esperava. As pessoas reunidas nas praias voltam-se respeitosamente para a procissão, ajoelharam-se, persignaram-se, mas, logo que ela se afastou, voltaram-se novamente para o mar, continuando sua devoção a Iemanjá, persuadida de terem assistido à prova do sincretismo entre ela e Nossa Senhora, pois a imagem desta última estava presente ao longo da praia no momento em que eles a chamavam, por seu nome africano, em suas preces.
Em Cuba, Yemaya é conhecida pelo nome de Virgem de Regla. Sua festa, em 8 de setembro, dia da Natividade de Nossa de Nossa Senhora, atrai sempre uma grande multidão, composta na sua maioria de pessoa da santería, que nesse dia vêm demonstrar sua fé católica e sua devoção a Yemaya.
No bairro de Regla, um subúrbio de Havana, perto da igreja, há dois cabildos, irmandades religiosas, católicas compostas de descendente de africanos lucumi (iorubá). O salão nobre dessas associações abriga ostensivamente um altar magnificamente enfeitado, onde figuram as imagens dos santos católicos sincretizados com os orixás lucumi. Os que mais se destacam são: a Virgen de Regla, Yemaya; a Virgen de la Merced, Orixalá; a Virgen de la Caridad Del Cobre, Oxum; e Santa Bárbara, Xangô. Os lugares consagrados aos orixás africanos são instalados mais discretamente em uma sala contígua, reservada exclusivamente aos membros do cabildo. Na véspera do dia 8 de setembro, são oferecidos sacrifícios de animais aos orixás e acendem-se velas diante do altar católico. Lydia Cabrera escreve que "depois dessa vigília noturna, todo mundo vai assistir à missa na Igreja de Regla e as imagens que enfeitam o altar do cabildo vão, pela manhã cedinho em procissão, visitar a Virgen de Regla no interior da sua igreja. O cortejo é recebido pelo pároco, que o acompanha de volta à porta". Até aqui, salvaram-se a aparência católica da festa. "Mas um conjunto de três atabaques bàtá espera as quatro santas à saída e é ao som de instrumentos musicais africanos e de cantos em lucumi que a procissão segue sua marcha".Como as pessoas que levam os andores marcam o ritmo da música, as santas imagens parecem desfilar dançando pelas ruas do bairro, inclinando-se e levantando-se em uníssono com a multidão. "A procissão vai até a praia, onde aqueles que tomam parte nessa cerimônia entregam-se a um ato de purificação, bebendo três goles dessa água salgada, e com ela borrifam o rosto e os braços. A procissão continua seu percurso, dançando ao som dos bàtá, e vai visitar diversas autoridades civis, depois os mortos e os antepassados que descansam no cemitério. Pára diante de todas as casas, muito numerosas nesse bairro, onde há um altar da Virgen de Regla. Esse passeio, que é uma dança ininterrupta, só acaba ao anoitecer".

OIÁ-IANSÃ (OYA YÁNSÀN)


OIÁ-IANSÃ (OYA YÁNSÀN)

Oya Yánsàn na África

Oya (Oiá) é a divindade dos ventos, das tempestades e do rio Níger que, em iorubá, chama-se Odò
Oya. Foi a primeira mulher de Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso. Conta uma lenda que Xangô enviou-a em missão na terra dos baribas, a fim de buscar um preparado que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar fogo e chamas pela boca e pelo nariz. Oiá, desobedecendo às instruções do esposo, experimentou esse preparado, tornando-se também capaz de cuspir fogo, para grande desgosto de Xangô, que desejava guardar só para si esse terrível poder.
Oiá foi, no entanto, a única das mulheres de Xangô que, ao final do seu reinado, segui-o na sua fuga para Tapa. E, quando Xangô recolheu-se para baixo da terra em Kossô, ela fez o mesmo em Irá.
Antes de se mulher de Xangô, Oiá tinha vivido com Ogum. Vimos, em capítulos precedentes, como a aparência do deus do ferro e dos ferreiros causou-lhe menos efeito que a elegância, o garbo e o brilho do deus do travão. Ela fugiu com Xangô, e Ogum, enfurecido, resolveu enfrentar o seu rival; mas este último foi à procura de Olodumaré, o deus supremo, para lhe confessar que perdoasse a afronta. E explicou-lhe: "Você, Ogum, é mais velho do que Xangô! Se, como mais velho, deseja preservar sua dignidade aos olhos de Xangô e aos outros orixás, você não deve se aborrecer nem brigar; deve renunciar a Oiá sem recriminações". Mas Ogum não foi sensível a esse apelo, dirigido aos sentimentos de indulgência. Não se resignou tão calmamente assim, lançou-se à perseguição dos fugitivos e, como vimos anteriormente, trocou golpes de varas mágicas com a mulher infiel. Que foi então, dividida em nove partes. Este números 9, ligado a Oiá, está na origem de seu nome Iansã e encontramos esta referência no ex-Daomé, onde o culto de Oiá é feito em Porto Novo sob o nome de Avesan, no bairro Akron ( Lokoro dos Iorubás) e sob o de Abesan, mais ao norte em Baningbê. Esses nomes teriam por origem a expressão Aborimesan ("com nove cabeça"), alusão aos supostos nove braços do delta do Níger.
Uma outra indicação da origem desse nome nos é dada pela lenda da criação da roupa de Egúngún por Oiá. Roupas sob as quais, em certas circunstâncias, os mortos de uma família voltam a terra a fim de saudar seus descentes. Oiá é o único orixá capaz de enfrentar e de dominar os Egúngún.
Oiá lamentava-se de não ter filhos. Esta triste situação era conseqüência da ignorância a respeito das suas proibições alimentares. Embora a carne de cabra lhe fosse recomenda, ela comia a de carneiro.
Oiá consultou um babalaô, que lhe revelou o seu erro, aconselhando-a a fazer oferendas, entre as quais deveria haver um tecido vermelho. Este pano, mais tarde, haveria de servir para confeccionar as vestimentas dos Egúngún. Tendo cumprido essa obrigação, Oiá tornou-se mãe de nove crianças, o que se exprime em iorubá pela frase: "Iyám mésàn, Origem de seu nome Iansã.
Quanto ao seu outro nome Oya, há uma lenda que faz alusão à sua origem explicando-a por um jogo de palavras. Nela se conta "como uma cidade chamada Ipô esta ameaçada de destruição, invadida pelos guerreiros tapás. Para preserva-la foi feita uma oferenda das roupas do rei dos ipôs. Esse traje era de tal beleza que as galinhas do lugar puseram-se a cacarejar de surpresa – razão pela qual, diz-se gravemente na lenda, as galinhas cacarejam até hoje, sempre estão em presença de qualquer coisa estranha. Esse prestigioso traje foi rasgado (ya) em dois para servir para servir de almofada de apoio às cabaças de oferendas. Apareceu então, misteriosamente, uma água que se espalhou (ya), inundando os arredores da cidade e afogando os agressores tapas. Quando os habitantes de Ipô procuraram um nome para este rio que surgiu e se espalhou, ya, quando as roupas foram rasgadas, ya, decidiram chamá-lo Odò Oya.
Existe uma lenda, conhecida na África e no Brasil, que explica de que maneira os chifres de búfalo vieram a ser utilizados no ritual do culto de Oiá-Iansã:
"Ogum foi caçar na floresta. Colocando-se à espreita, percebeu um búfalo que vinha em sua direção. Preparava-se para mata-lo quando o animal, parando subitamente, retirou sua pele. Uma linda mulher apareceu diante de seus olhos. Era Oiá-Iansã. Ela escondeu a pele formigueiro e dirigiu-se ao mercado da cidade vizinha. Ogum apossou-se do despojo, escondendo-o no fundo de uma depósito de milho, ao lado de sua casa, indo, em seguida, ao mercado fazer a corte à mulher-búfalo. Ele chegou a pedi-la em casamento, mas Oiá recusou inicialmente. Entretanto, ela acabou aceitou, quando, de volta à floresta, não mais achou a sua pele. Oiá recomendou ao caçador não contar a ninguém que, na realidade, ela era um animal. Viveram bem durante alguns anos. Ela teve nove crianças, o que provocou o ciúme das outras esposas de Ogum. Estas, porém, conseguiram descobrir o segredo da aparição da nova mulher. Logo que o marido se ausentou, elas começaram a cantor: " Máa je, máa um, àwò re nbe nínú àká", Você Pode beber e comer (e exibir sua beleza), mas a sua pele está no deposito (você é um animal).
"Oiá compreendeu a alusão; encontrando a sua pele, vestiu-a e voltando à forma de búfalo, matou as mulheres ciumentas. Em seguida, deixaram os seus chifres com os filhos, dizendo-lhes: Em caso de necessidade, batam um contra o outro, e eu virei imediatamente em vosso socorro. É por essa razão que chifres de búfalos são sempre colocados nos locais consagrados a Oiá-Iansã".
Tivemos oportunidade de ouvir essa história na Bahia, narrada por Pai Cosme, um Velho pai-de-santo, hoje falecido. Ele pronunciava com perfeita correção a frase iorubá citada acima.
Os oríkì dirigidos a Iansã descrevem-na bastante bem:
"Oiá, mulher corajosa que, os acordar, empunhou um sabre".
Oiá, mulher de Xangô.
Oiá, cujo marido é vermelho.
Oiá, que embeleza seus pés com pó vermelho.
Oiá, que morre corajosamente com seu marido.Oiá, vento da morte.
Oiá, ventania que balança as folhas das árvores por toda parte.
Oiá, a única que pode segurar os chifres de um búfalo".

Oiá-Iansã no Novo Mundo

As pessoas dedicadas a Iansã, nome sob o qual ela é mais conhecida no Brasil, usam colares de contas de vidro grená. A quarta-feira é o dia da semana consagrado a ela, o mesmo dia de Xangô, seu marido. Seus símbolos são como na África: os chifres de búfalo e um alfanje, colocados sobre seu "pejí". Ela recebe sacrifícios de cabras e oferendas de acarajés (àkàrà na África). Ela detesta abóbora e a carne de carneiro lhe é proibida.
Quando se manifesta sobre um dos iniciados, ela está adornada com uma coroa semelhante à dos reis africanos , cujas franjas de contas escondem o seu rosto. Ela traz um alfanje em uma das mãos e um espanta-moscas feito de cauda de cavalo na outra. Suas danças são guerreiras e, se Ogum está presente, ela se engaia num duelo com ele, lembrança, sem dúvida, de suas antigas divergências. Ela evoca também, através de seus movimentos sinuosos e rápidos, as tempestades e os ventos enfurecidos. Seus fiéis saúdam-na gritando: " Epa Heyi Oya!".
No Brasil, Oia é sincretizada com Santa Bárbara e, em Cuba, com Nuestra Señona de la Candelária.
Certa Iansãs, chamadas Yánsàn de Igbalè, ligadas ao culto dos mortos, os Egúngún, quando dançam
parecem expulsar as almas errantes com seus braços largamente abertos e estendidos para a frente.

Arquétipo

O arquétipo de Oiá-Iansã é o das mulheres audaciosas, poderosas e autoritárias. Mulheres que podem ser fiéis e de lealdade absoluta em certas circunstâncias, mas que, em outros momentos, quando contrariadas em seus projetos e empreendimentos, deixam-se levar a manifestações a mais extrema cólera. Mulheres, enfim, cujo temperamento sensual e voluptuoso pode leva-las a aventuras amorosas extraconjugais múltiplas e freqüentes, sem reserva nem decências, o que não as impede de continuarem muito ciumentas dos seus maridos, por elas mesmas enganados.

OBÁ (OBÁ)



OBÁ (OBÁ)

Obá na África

Obá, divindade do rio de mesmo nome, foi a terceira mulher de Xangô. Como as duas primeiras, Oiá e Oxum, ela foi também mulher de Ogum segundo uma lenda de Ifá: 

"Obá era um orixá feminino muito enérgico e fisicamente mais forte que muitos orixás masculinos. Ela desafiara e vencera na luta, sucessivamente, Oxalá, Xangô e Orunmilá. Chegada à vez de Ogum, aconselhado por um babalaô, ele preparou uma oferenda de espigas de milho e quiabo. Amassado tudo num pilão, obtendo uma pasta escorregadia, que espalhou pelo chão, no lugar onde aconteceria a luta. Chegado o momento, Obá, que fora atraída até o lugar previsto, escorregou sobre a mistura, aproveitando-se Ogum para derrubá-la e possuí-la no ato". 

Mais tarde, quando Obá se tornou a terceira mulher de Xangô, uma grande rivalidade não demorou a surgir entre ela e Oxum. Esta era jovem e elegante; Obá era mais velha e usava roupas fora de moda, fato que nem chegava a se dar conta, pois pretendia monopolizar o amor de Xangô. Com este objetivo, sabendo o quanto Xangô era guloso, procurava sempre surpreender os segredos das receitas de cozinha utilizadas por Oxum, a fim de preparar as comidas de Xangô. Oxum, irritada, decidiu pregar-lhe uma peça e, um belo dia, pediu-lhe que viesse assistir, um pouco mais tarde, à preparação de terminado prato que, segundo lhe disse Oxum maliciosamente, realizava maravilhas junto a Xangô, o esposo comum. Obá apareceu na hora indicada. Oxum, tendo a cabeça atada por um pano que lhe escondia as orelhas, cozinhava uma sopa na qual boiavam dois cogumelos. Oxum mostrou-os à sua rival, dizendo-lhe que havia cortado as próprias orelhas, colocando-as para ferver na panela, a fim de preparar o prato predileto de Xangô. Este, chegando logo, tomou a sopa com apetite e deleite e retirou-se, gentil e apressando, em companhia de Oxum, Na semana seguinte, era a vez de Obá cuidar de Xangô. Ela decidiu pôr em pratica a receita maravilhosa: cortou uma de suas orelhas e cozinhou-a numa sopa destinada a seu marido. Este não demonstrou nenhum prazer em vê-la com a orelha decepada e achou repugnante o prato que ela lhe serviu. Oxum apareceu, neste momento, retirou seu lenço e mostrou que suas que suas orelhas jamais haviam sido cortadas nem devoradas por Xangô. Começou, então, a caçoar da pobre Obá, que furiosa, precipitou-se sobre sua rival. Segui-se uma luta corporal entre elas. Xangô, irritado, fez explodir o seu furor. 
 
Oxum e Obá, apavoradas, fugiram e se transformaram nos rios que levam seus nomes. No local de confluência dos dois cursos de água, as ondas tornam-se muito agitado em conseqüência da disputa entre as duas divindades.   

Conta-se ainda, sobre Obá, uma lenda por vezes atribuída a Oxum, baseada num jogo de palavras: "O rei de Owu, partindo em expedição guerreira, teve de atravessar o rio Obá com seu exército. O rio estava em período de enchente e as águas tão tumultuadas que não podiam ser atravessadas. O rei fez, então uma promessa solene, embora mal formulada. 
 
Ele declarou: "Obá, deixe passar meu exército, eu lhe imploro; faça baixar o nível das suas águas e, se sair vitorioso da guerra, eu lhe oferecerei uma nkam rere (boa coisa)". Ora, ele tinha por mulher uma filha do rei de Ibadan que levava o nome de Nkam. As águas baixaram, o rei atravessou o rio e venceu a guerra. Regressou com um saque considerável. Chegando próximo ao rio Obà, ele o encontrou novamente em período e cheia. O rei ofereceu-lhe todas as nkam rere: tecidos, búzios, bois e comidas, mas o rio rejeitou todos estes dons. Era Nkam, a mulher do rei, que ele exigia. Como o rei de Owu era obrigado a passar, teve que lançar Nkam às águas. Mas ela estava grávida e pariu no fundo do rio. Este rejeitou o recém-nascido, declarando que somente Nkam lhe tinha sido prometida. As águas baixaram e o rei voltou triste aos seus domínios, seguido pelo seu exército. O rei de Ibadan tomou conhecimento do ocorrido, Indignado, declarou não haver dado sua filha em casamento para que ela servisse de oferenda a um rio. Fez a guerra a seu genro, venceu-o e o expulsou de seu país.

Obá no Novo Mundo

No Brasil, assim que Obá aparece num candomblé manifestada em uma de suas iniciadas, ata-se um turbante em sua cabeça a fim de esconder uma de suas orelhas, como recordação da lenda já narrada. Se Oxum manisfesta-se no momento, a tradição exige que energicamente para separa-las. A dança de Obá é guerreira: ela brande um sabre com uma das mãos e leva um escudo na outra.
Suas oferendas consistem em cabras, patos e galinhas d´angola. 

Ela é sincretizada com Santa Catarina, mas, como existem muitas com este nome, não se sabe ao certo se trata de Santa Catarina de Alexandria, de Bolonha, de Gênova ou de Siena.

Arquétipo

O arquétipo de Obá é o das mulheres valorosas e incompreendidas. Suas tendências um pouco viris fazem-nas freqüentemente voltar-se para o feminismo ativo. As suas atitudes militantes e agressivas são conseqüências de experiências infelizes ou amargas por elas vividas. Os seus insucessos devem- se, freqüentemente, a um ciúme um tanto mórbido. Entretanto, encontram geralmente compensação para as frustrações sofridas em sucessos matérias, onde a sua avidez de ganho e o cuidado de nada perder dos seus bens tornam-se garantias de sucesso.