ORIXALÁ (OBATALÁ/OXALÁ/ÒRÌSÀNLÁ/OBÀTÁLÁ)
Òrìsànlá ou Obàtálá na África
Òrìsànlá ou Obàtálá, "O Grande Orixá" ou "Rei do Pano Branco", ocupa uma posição única e inconteste do mais importante orixá e o mais elevado dos deuses iorubás. Foi o primeiro a ser criado por Olodumaré, o deus supremo. Òrìsànlá-Obàtálá é também chamado Òrisà ou Obà-Ìgbò, o Orixá ou o Rei dos Igbôs. Tinham um caráter bastante obstinado e independente o que lhe causava inúmeros problemas.
Òrìsànlá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir (àbà) e o de realizar (àse), razão pela qual é saudado com o título de Aláàbáláàse. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o "saco da criação". O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifa nos conta como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.
Òrìsànlá pôs-se a caminho apoiado num grande cajado de estanho, seu Opá osorò ou paxorô, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa. Òrìsànlá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Olofin-Odùduà, criado por Olodumaré depois de Òrìsànlá é o maior rival deste. Vendo o Grande Orixá adormecido, roubou-lhe "o saco da criação", dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Òrìsànlá. Olodumaré exclamou: "Se ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!" Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no "saco da criação". Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais, o que o ioruba se diz ilè nfe, expressão que deu origem ao nome da cidade de ilê Ifé. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros orixás, e tornou-se assim o rei da terra.
Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o "saco da criação". Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás funfun, ou "orixás brancos", beber vinho de palma e mesmo de usar azeite- de-dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida.
Por essa razão, Oxalá é também chamado de Alámorere, o "proprietário da boa argila". Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas.alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.
Mais tarde, quando Òrìsànlá e Odùduà reencontraram-se, eles discutiram e se bateram com furor. A lembrança dessas discórdias é conservada nas histórias de Ifá, das quais algumas podem ser encontradas em outra obra. As relações tempestuosas entre divindades podem ser consideradas como transposição ao domínio religioso de fatos históricos antigos. A rivalidade entre os deuses dessas lendas seria a fabulação de fatos mais ou menos reais, concernentes à fundação da cidade de Ifé, tinha como o "berço da civilização ioruba e do resto do mundo".
Obàtálá teria sido o rei dos igbôs, uma população instalada perto do lugar que se tornou mais tarde a cidade de Ifé. A referência a esse fato não se perdeu nas tradições orais no Brasil, onde Orixalá e freqüentemente mencionado nos cantos como Orixá Igbô ou Babá Igbô, "ou orixá" ou "o rei dos igbôs". Durante seu reinado, ele foi vencido por Odùduà, que encabeçada um exército, fazendo-se acompanhar da dezesseis personagens, cujos nomes variam segundo os autores. Estes são conhecidos pelo nome de awon agbàgbà, "os antigos". Esses acontecimentos históricos corresponderiam à parte do mito onde Orixalá foi enviado para criar o mundo (enquanto, na realidade, ele tornou-se o rei dos igbôs) e foi no mito que Odùduà tornou-se o rei do mundo, por ter roubado a Orixalá o "saco da criação" (enquanto, na realidade, ele destronou Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, usurpando-lhe o reino).
Odùduà teria vindo do leste, no momento das correntes migratórias causadas por uma invasão berbere no Egito. Esse fato provocou deslocamentos de populações inteiras, expulsando-se progressivamente, umas às outras, em direção ao oeste, para terminar em Borgu, também chamada região dos baribas. Segundo uns, Odùduà teria vindo de uma longínqua região do Egito ou mesmo de Meca e, segundo outros, de um lugar perto de Ifé, chamado Oké-Ora, onde os invasores teriam habitado durante várias gerações.
Não foi sem resistência que Òrìsànlá-Ìgbò perdeu seu trono. Ele reagiu com energia e chegou mesmo a expulsar Odòduà de seu palácio, onde já se encontrava instalado. Foi ajudado por seus partidários, Orelúéré e Obawinni, mas foi uma vitória de curta duração, pois, por sua vez, foi expulso por Obameri, partidário de Odùduà, e, assim, Òrìsànlá teve que se refugiar em Ideta-Oko. Obameri instalou-se na estrada que ligava esse lugar e Ifé para impedir, durante muito tempo, a volta de Òrìsànlá a esse lugar. Tendo este perdido o seu poder político, conservou funções religiosas e voltou mais tarde para instalar-se em seu templo em Ideta-Ilê. A coroa de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò, tomada por Odùduà, teria sido conservada até hoje no palácio do Oòni, rei de Ifé e descendente de Odùduà. Essa coroa, chamada até, é elemento essencial na cerimônia de entronização de um novo Oòni. Os sacerdotes de Òrìsànlá desempenham um papel importante nessas ocasiões. Eles participam de certos ritos, durante os quais eles próprios colocam a coroa na cabeça do novo soberano de Ifé. Este também, antes da sua coroação, deveria dirigir-se ao templo de Òrìsànlá. Durante as festas anuais, celebradas em Ifé para Òrìsànlá, os sacerdotes desse deus fazem alusão à perda da coroa de Obà-Ìgbò, lembrando seu antigo poder sobre o país antes da chegada de Odùduà e da fundação de Ifé. Além disso. Oòni deve enviar todos os anos um seu representante a Ideta-Oko, onde residiu Òrìsànlá. O representante deve levar oferendas e receber instruções ou a benção de Òrìsànlá.
Os deuses da família de Òrìsànlá-Obàtálá, o "Orixá" ou o "Rei do Pano Branco", deveriam ser, sem dúvida, os únicos a serem chamados orixás, sendo os outros deuses chamados por seus próprios nomes ou, então, sob a denominação mãos geral de ebora para os deuses masculinos. O termo "Imole", empregado por Epega, abrangeria o conjunto dos deuses iorubás.
Essa família de orixás funfun, os orixás brancos, é daqueles que utilizam o efun (giz branco) para enfeitar o corpo. São-lhe feitas oferendas de alimentos brancos, como pasta de inhame, milho, caracóis e limo da costa. O vinho e o azeite, provenientes do dendê, e o sal são as principais interdições. As pessoas que lhe são consagradas devem sempre se vestir de branco, usar colares da mesma cor e pulseiras de estanho, chumbo ou marfim.
Os orixás funfun seriam em número de cento e cinqüenta e quatro, dos quais citamos alguns nomes:
Òrìsá Olufon ajígúnà koari, "aquele que grita quando acorda";
Òrìsá Ògiyán Ewúléèjìgbò, "Senhor de Ejigbô";
Òrìsá Obaníjìta;
Òrìsá Àkirè ou Ìkirè, um valente guerreiro muito rico que transforma em surdo-mudo aquele que o negligencia;
Òrìsá Eteko Oba Dugbe, outro guerreiro muito ligado a Òrìsànlá;
Òrìsá Aláse ou Olúorogbo, que salvou o mundo fazendo chover num período de seca
Òrìsá Olójo;
Òrìsá Àrówú;
Òrìsá Oníkì;
Òrìsá Onírinjà;
Òrìsá Ajagemo, para o qual, durante sua festa anual em Ede, dança-se e representa-se com mímicas um combate entre ele e Olunwi, no qual este último sai vencedor e aprisiona seu adversário. Mas tarde Òrìsá Ajagemo é libertado e volta triunfante para seu templo Ulli Beier sugere que nesta representação poderia haver uma espécie de reconstituição da conquista do reino Igbô por Odùduà, da derrota de Orixalá no plano temporal e de sua vitória final no plano espiritual.
Òrìsá Jayé em Jayé;
Òrìsá Ròwu em Owu;
Òrìsá Olobà em Obá;
Òrìsá Olúofin em Iwofin;
Òrìsá em Oko;
Òrìsá Eguin em Owú, etc.
William Bascom observa que o ritual da adoração de todos esses orixás funfun é tão semelhante que, em alguns casos, é difícil saber se trata de divindades distintas ou simplesmente de nomes e manifestações diferentes de Òrìsànlá.
Òrìsànlá-Obàtálá é casado com Yemowo. Suas imagens são colocadas um ao lado da outra e coberta por traços e pontos desenhados com efun, no ilésìn, local de adoração desse casal no templo de Ideta- Ilê, no bairro de Itapa, em Ilê-Ifé.
Dizem que Yemowo foi a única mulher de Òrìsànlá-Obàtálá. Um caso excepcional de monogamia entre os orixás e eboras, muito propensos, como vimos nos capítulos precedentes, a ter aventuras amorosas múltiplas e a renovar facilmente seus votos matrimoniais.
Cerimônias para Òrìsànlá-Obàtálá
As cerimônias públicas para Òrìsànlá em Ilê-Ifé comemoram acontecimentos históricos. Antigamente, as festas duravam nove dias e foram posteriormente reduzidas para cinco. Como estão em concordância com a semana ioruba de quatro dias, começam e terminam no dia consagrado a Obàtálá. Nos dois casos observados, começaram no dia imediato ao primeiro quarto da lua, respectivamente, em 13 de janeiro de 1977 e em 1º de fevereiro de 1978.
Foram realizados sacrifícios de cabras no templo de Obàtálá, no ilésìn de Ideta-Ilê, onde se encontram as imagens de Obàtálá-Òrìsànlá e de sua mulher Yemowo. Uma parte do sangue é derramada sobre as imagens que, em seguida, são lavadas com infusão de folhas colhidas na floresta de Yemowo. Essas folhas são de diferentes variedades, entre as quais figuram as plantas calmantes: odúndún (Kalanchoe crenata), àbámodá (Bryophyllum pinnatum),òwú (Gossypium sp.), efinrin (Ocimun viride), rinrin (Peperomnia pellucida), teteregun (Costus afer), etc. Em seguida, as duas imagens são enfeitadas com uma série de traços e pontos brancos feitos com efun. Os sacerdotes mais importantes, o Obàlále, guarda de Obàtálá, e Obàláse, guarda do Òrìsà Aláse, dançam por muito tempo nesse primeiro dia ao som dos tambores ìgbìn, próprio do culto de Òrìsànlá. São tambores pequenos e baixos, apoiados sobre pés, um macho e outro fêmea. O ritmo é marcado pelos eru, ferros achatados em forma de "T", batidos uns no outro.
No dia seguinte, Obàlále e Obàláse fazem abluções com as mesmas infusões que serviram na véspera
para Òrìsànlá e Yemowo; seus corpos são igualmente enfeitados com desenhos feitos com efun. As
imagens são bem enroladas em pano branco e levadas, de manhã cedinho, em procissão desde Ideta-
Ilê até Ideta-Oko. Todos os ingredientes da oferenda — ibo òrìsà — a ser feita são levadas até lá. Essa
oferenda consta de dezesseis caracóis, dezesseis ratos, dezesseis peixes, dezesseis nozes de cola e
limo da costa. O dia será passado em Ideta-Oko, lembrando o exílio de Òrìsànlá-Obà-Ìgbò quando
teve de deixar o palácio de Ifé.
No momento da chegada à floresta, faz-se uma pequena parada diante de uma árvore isìn, "a que é adorada", e o cortejo penetra mais adentro numa vasta clareira, cercada de grandes árvores e margeada de montículos de terra que parecem ser ruínas de construções antigas. No centro, encontra- se uma espécie de grande pote emborcado com um pequeno furo a meia altura, através do qual pode- se ver o crânio de animais sacrificados nos anos anteriores. As imagens são desenroladas e colocadas no chão, de costas para o pote; Òrìsànlá à direita e Yemowo à esquerda, como no ilésìn em Ideta-Ilê.
Todos os participantes sentam-se em silêncio na floresta calma e sombria. Pouco a pouco a multidão se amontoa. Os tambores ìgbìn tocam de vez em quando, acompanhando os cantos e os oríkì de Obàtálá e Yemowo. Sacrifica-se uma cabra. Faz-se uma adivinhação, com as quatro partes de uma noz de cola, para saber se os deuses estão satisfeitos. A cabeça do animal é separada do corpo e jogada embaixo do grande pote. Recomeçam os cantos acompanhados pelos tambores. Os sacerdotes dançam. Obàláls, com ar distante e crispado, está em transe, possuído por Òrìsànlá.
No entrar de ser, dois mensageiros do Oòni de Ifé chegam e param à entrada da floresta, perto da árvore isìn. Traz da parte de seu senhor, descendente de Odòduà, uma cobra como oferenda; antigamente era um ser humano que deveria ser sacrificado. O animal é levado para uma pequena clareira, contígua ao local da reunião. Já quase à noite e a cabeça do animal é presa no chão por uma forquilha. Obàláse, com o rosto tenso e entorpecido pelo transe, dança ao redor da pequena clareira e faz várias idas e vindas ao local onde estão as imagens dos orixás. Em seguida, ele pega um dos ferros eru, em forma de "T", e com ele bate com força na cabeça da cabra, matando-a. Molha suas mãos no sangue que escorre do corte e vai passa-las na cabeça das imagens de Òrìsànlá e Yemowo.
Um ajudante de Obàláse arrasta, com a forquilha, a cabra abatida, evitando toca-la, e a lança no mato.
A multidão grita:
"Gbákú lo, gbárùn lo!!!"
("Leva a morte para longe, leva as doenças para longe.")
Em contraste com a primeira cabra sacrificada, cuja carne foi cozida e distribuída para ser ritualmentecomida pelos presentes, em comunhão com os deuses, a carne da segunda cabra, que substituiu a vítima humana, não pode ser tocada nem comida, pois seria atrair sobre si a morte e as doenças... e praticar antropofagia.
Terminada a cerimônia desse dia, as imagens dos deuses são novamente enroladas nos panos brancos, levadas a Ideta-Ilê e reinstaladas no ilésìn até o ano seguinte.
No último dia, consagrado a Yemowo, os sacerdotes e seus auxiliares vão à floresta sagrada dessa divindade, a Ita-Yemowo. Levam para ali um acento de madeira esculpida, àgá Yemowo, devidamente lavado e purificado com a infusão de folhas e enfeitado com traços brancos. Um dos sacerdotes, dedicado a Yemowo, entra em transe, possuído por essa divindade. A expressão de seu rosto, com seu ar distante, lembra o transe de Obàláse na floresta de Ideta-Oko, porém mais calmo e tranqüilo.
Transformando-se momentaneamente em Yemowo, o sacerdote é revestido com um grande pano branco e amarra em sua cabeça um turbante também branco. Seguida por uma grande multidão, na qual predominam as mulheres, algumas das quais tiveram filhos por sua intercessão, Yemowo, encarnava, vai sentar-se em sua cadeira, em frente ao palácio de Oòni. Porém o descendente de Odùduà não se apresenta e Yamowo retira-se para o templo de Ideta-Ilê. Esta visita de Yemowo é repetida duas vezes mais sem que o Oòni apareça; entretanto, a cada vez, ele envia nozes de cola a Ideta-Ilê por um mensageiro.
Não obtivemos explicação sobre o sentido preciso dessa parte do ritual. Parece tratar-se de uma referência aos esforços sucessivos que antigamente fez Yemowo para restabelecer a paz entre Òrìsànlá e Odùduà e a acolhida reticente reservada por este último aos esforços de pacificação.
Oxalufã (Òrìsà Olúfon)
Òrìsà Olúfon, Òrìsà fun fun, velho e sábio, cujo o templo é em Ifon, pouco distante de Oxogbô. Seu culto permanece ainda relativamente bem preservado nessa cidade tranqüila, que se caracteriza pela presença de numerosos templos, igrejas católicas e protestantes e mesquitas que atraem, todas elas, aos domingos e sextas-feiras, grandes números de fiéis de múltiplas formas de monoteísmos importados do estrangeiro. Em contraste, infelizmente, com essa afluência, o dia da semana ioruba consagrado a Òrìsànlá só interessa atualmente a pouca gente. Exatamente um pequeno núcleo de seis sacerdotes, os Ìwèfà mefà (Aáje, Aáwa, Olúwin, Gbogbo, Aláta e Ajíbódù) ligados ao culto de Òrìsà Olúfon e uns vinte olóyè, os dignitários portadores de títulos, que fazem parte da corte do rei local, Obà Olúfon.
A cerimônia de saudação ao rei de dezesseis em dezesseis dias pelos Ìwefà e pelos Olóyè é impressionante pela calma, simplicidade e dignidade. O rei, Olúfon, espera sentado a porta do palácio reservada só para ele e que dá para o pátio. Ele estava vestido com um pano e um gorro brancos. Os Olóyè avançam, vestidos de tecido branco amarrado no ombro esquerdo, e seguram um grande cajado. Aproximam-se do rei, param diante dele, colocam o cajado no chão, tiram o gorro, ficam descalços, desatam o tecido e amarram-no à cintura. Com o torso nu em sinal de respeito, ajoelha-se e prostra-se vária vez, ritmando, com uma voz respeitosa, um pouco grave e abafada, uma série de votos de longa vida, de calma, felicidade, fecundidade para suas mulheres, de prosperidade e proteção contra os elementos adversos e contra as pessoas ruins. Tudo isso é expresso em uma linguagem enfeitada de provérbios e de fórmulas tradicionais. Em seguida, os Olóyè e os Ìwèfà vão sentar-se de cada lado do rei, trocando saudações, cumprimentos e comentários sobre acontecimentos recentes que interessam à comunidade. A seguir, o rei manda servir-lhes alimentos, dos quais uma parte foi colocada diante do altar de Òsàlúfon, para uma refeição comunitária com o deus.
Oxaguiã (Òrìsà Ògiyán)
Òrìsà Ògiyán é um orixá funfun jovem e guerreiro, cujo templo principal encontra-se no Ejigbô. Foi a esse local que este orixá chegou, depois de uma viagem que o fez passar por vários lugares; num deles, Ikiré deixou um de seus companheiros que se tornou o opulento Òrìsà-Ìkìrè.
Chegando ao ponto final de sua viagem, tomou o título de Eléèjìgbó, rei de Ejigbô. Porém, uma característica desse orixá era o gosto descontrolado que tinha pelo inhame pilado, chamado iyán, que lhe valeu o apelido de "Orixá-Comedor-de-Inhame-Pilado", o que se exprime em ioruba pela frase Òìsà-je-iyán e pela contração Òrìsàjiyán ou Òrìsàgiyán. Comia inhame dia e noite; de fato, o inhame era-lhe necessário a todas as horas. Dizem que ele foi o inventor do pilão para facilitar a preparação de seu prato predileto. Também, quando um elégùn desse orixá é possuído por ele, traz sempre na mão, ostensivamente, um pilão com alusão a sua preferência alimentar. Esse detalhe é conhecido no Brasil pelas pessoas consagradas a Oxaguiã que, quando estão em transe durante suas danças, agitam com a mão, infalivelmente, o pilão simbólico. Além disso, a festa que lhe oferecem todos os anos chama-se "o Pilão de Oxaguiã".
Por ocasião das cerimônias anuais em Ejigbô, a tradição exige que os habitantes de dois bairros da cidade, Oxolô e Oke Mapô, lutem uns contra os outros a golpes de varas durante várias horas. Uma história de Ifá explica a origem desse costume com a seguinte lenda:
"Um certo Awoléjé, babalaô companheiro e amigo de Eléèjìgbò, havia-lhe indicado o que deveria fazer para transformar a aldeia de Ejigbô, recentemente fundada, em uma cidade florescente. Em seguida, dirigiu-se para outro lugar. Em alguns anos, a aglomeração tornou-se uma grande cidade, cercada de muralhas e fossos, com portas fortificadas, guardas, um palácio para Eléèjìgbò, numerosas casas, um grande mercado para onde vinham de muito longe, compradores e vendedores de mercadorias diversas e escravos. Eléèjìgbò vivia em grande estilo e era costume, quando se falava de sua pessoa, disigná-lo pelo termo bajulador Kábiyèsi (‘Sua Majestade Real’).
Ao cabo de vários anos, Awoléjé voltou e, embora babalaô, nada sabia da grandeza de seu amigo, o ‘Comedor-de-Inhame- Pilado’. Chegando ao posto da guarda, na porta da cidade, pediu familiarmente notícias do Ojiyán. Os guardas surpresos e indignados com a insolência do viajante para com o soberano do lugar agarraram Awoléjé, bateram-lhe". cruelmente e o prenderam. O babalaô ferido vingou-se utilizando seus poderes. Ejigbô conheceu então anos difíceis: não chovia mais, as mulheres ficaram estéreis, os cavalos do rei não tinham mais pasto e outros dissabores. Eléèjìgbò fez uma pesquisa e soube da prisão de Awoléjé. Ordenou imediatamente que o pusessem em liberdade e pediu-lhe para perdoar e para esquecer os maus-tratos de que fora vítima. Awoléjé concordou, mas com uma condição: ‘No dia da festa de Òsàgiyán, os habitantes de Ejigbô deveriam lutar entre si, com golpes de varas, durante várias horas’".
Esta flagelação expiatória realiza-se todos os anos em presença de Eléèjìgbò, enquanto as mulheres consagradas ao orixá cantam os oríkì e batem no chão com o ìsán, varinhas de atori (Glyphea laterifolia), para os mortos, e faze-los participar da cerimônia. Elas exortam Oxaguiã a fazer reinar a paz e a abundância em sua cidade e a mandar chover regularmente. Os axés do deus são trazidos da floresta sagrada, onde se encontra seu templo. Terminada a luta, forma-se um cortejo, precedido por Eléèjìgbò. A multidão entra dançando no palácio, onde os axés ficaram por algum tempo. Depois, retornarão acompanhados por Eléèjìgbò e seu séqüito até o templo de Oxaguiã, em sua floresta sagrada. A multidão enche logo a clareira, levando gamelas com oferenda de alimentos, onde figura em lugar de destaque, a massa de inhame bem pisada nos pilões e que será comida em comunhão com o deus.
Odudua (Odùduà)
Odùduà é mais personagem histórico do que orixá; guerreiro temível, invasor e vencedor dos igbôs, fundador da cidade de Ifé e pai de reis das diversas nações iorubás. O Rev. Bolaji Idowu comunga desse ponto de vista quando escreve que "Odùduà tornou-se objeto de culto após sua morte, estabelecido no âmbito dos cultos dos ancestrais" (e não de divindade). Willian Bascom confirma essa opinião quando assinala que "as pessoas que cultuam Odùduà não entram em transe". Ora, a entrada em transe é uma característica fundamental no culto dos orixás Precisamos falar aqui das extravagantes teorias do Padre Baudin e dos seus compiladores, encabeçados pelo Tenente-Coronel A. E. Ellis, sobre as relações existentes entre Obàtálá e Odùduà. Mal infirmado e dotado de uma imaginação fértil, o reverendo padre expôs no seu livro sobre as religiões de Porto Novo (que não é país ioruba) informações erradas, as quais nos referimos nos capítulos sobre Xangô e Iemanjá.
O Padre Baudin feminiliza Odùduà para fazer dele a companheira de Obàtálá (ignorando que este papel era desempenhado por Yemowo). Fechou esse casal Obàtálá- Odùduà (formado por dois machos) numa cabaça e construiu, partindo desta afirmação inexata, um sistema dualista, recuperado com proveito por posteriores estruturalistas, onde "Obàtálá (macho) é tudo o que está em cima e Odùduà (pseudofêmea), tudo o que está embaixo; Obàtálá é o espiritual, e Odùduà a matéria; Obàtálá é o firmamento e Odùduà é a terra".
A obra de Baudin, copiada por Ellis, foi o ponto de partida de uma série de livros escritos por autores que se copiaram uns dos outros sem colocar em questão a plausibilidade do que fora escrito por seus predecessores. O Padre Labat constatava já com certa ironia, em 1722, que "certas informações foram dadas por uma quantidade de autores" e acrescentava: "mas talvez seja a opinião daquele que escreveu primeiro e que os outros seguiram copiando sem se inquietarem se elas estavam bem ou mal fundamentadas".
A respeito de Odùduà, acumulou-se com o tempo uma vasta documentação escrita, tida como erudita porque é constituída de textos, a única valiosa aos olhos letrados, mesmo que estes textos estejam inspirados por escritos anteriores inexatos e contrários à verdade.
Esta tradução "erudita" continuou a reinar entre os pesquisadores na África. O Padre Bertho publicou em 1950 um artigo, onde ele declarava "ter visto em Porto Novo, no antigo Palácio Akron, um altar dedicado ao casal de divindades Lisa-Odùduà. Lisa era representada por uma cabaça branca na frente de um muro pintado de branco, enquanto Odùduà o era por uma cabaça preta sobre um muro preto". Interessados por essa descrição foram visitar esse lugar, em 1952. A realidade era outra. O Padre Bertho fizera uma terrível mistura, pois Lisa é, para os fon, o nome de Òrìàálá dos iorubás, como Dudua o é para os habitantes de Porto Novo. O par era formado por uma única divindade. Havia na realidade uma cabaça branca e uma parte do muro pintado de branco, mas era para Dudua (que, segundo Bertho, seria preto). Quanto à cabaça preta no muro preto, eles eram avermelhados, em homenagem a Xangô.
Durante pesquisas que tivemos ocasião de fazer na África, em diversas regiões onde se fala ioruba, jamais encontramos rastros das lendas Baudin-Ellis nos meios tradicionais.
Lembremos que há, entretanto, um casal do qual faz parte Òrìàálá, mas sua mulher é Yemowo. Ela pode ser vista sob forma de imagens, no ilésìn do templo de Obàtálá-Òrìsàálá, em Ideta-Ilê Ifé. Esta mesma divindade leva os nomes de Lisa e Mawu, adotada pelos fon. Elas são adoradas no templo do bairro Djena, em Abomey, e simbolizam: "Lisa, o princípio masculino, com o oriente, o dia e sol, e Mawu, o princípio feminino, com o ocidente, à noite e a lua". Mas, insistimos, eles correspondem ao casal Òrìsàálá e Yemowo e não Òrìsàálá e Odùduà.
Oxalá no Novo Mundo
No Novo Mundo, na Bahia particularmente, Oxalá é considerado o maior orixás, o mais venerável e o mais venerado. Seus adeptos usam colares de contas brancas e vestem-se, geralmente, de branco. Sexta-feira é o dia da semana consagrado a ele. Esse hábito de se vestir de branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o prestígio de Oxalá. É sincretizado na Bahia com o Senhor do Bonfim, sem outra razão aparente senão a de ter ele, nesta cidade, um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais.
Porém, em Cuba, Òsàlá é relacionado com Nuestra Señora de la Merced.
Diz-se na Bahia que existem dezesseis Oxalás:
Obatalá, Odudua, Orixá Okin, Orixá Lulu, Orixá Ko, Oluiá Babá Roko, Oxalufã, Babá Epe, Babá
Lejugbe, Oxaguiã, Orixá Akanjapriku, Orixá Ifuru, Orixá Kere, Babá Igbô, Ajaguna, Olissassa.
Notemos que Babá Lejugbe é sem dúvida Òrìsà Ijùgbe na África, onde é igualmente chamado Òrìsà Eteko, um companheiro de Obàlátá; Ajaguma é um dos nomes de Òrìa Ogiyán, que na Bahia é também chamado de Babá Elemessô; babá Igbô é o próprio Òrìsàálá. Olissassa no Brasil a versão daomeana (gêge) de Lisa. Quanto a Odùdùa, ele figura nesta lista, sem dúvida por causa de sua presença nos mitos de criação do mundo.
Dos orixás funfun, os mais conhecidos na Bahia são os mesmos dos quais falamos para África,
Oxalufã, o Oxalá velho, e Oxaguiã, o jovem.
Existe uma lenda sobre eles, conhecida na Bahia e na África, da qual Lydia Cabrera dá também uma versão que recolheu em Cuba.
"Oxalufã, rei de Ifan, decidira visitar Xangô, o rei de Oyó, seu amigo. Antes de partir, Oxalufã consultou um babalaô para saber se sua viagem se realizaria em boas condições. O babalaô respondeu que ele seria vítima de um desastre, não devendo, portanto, realizar a viagem. Oxalufã, porém, tinha um caráter obstinado e persistiu em seu projeto, perguntando que sacrifícios poderia fazer paramelhorar a sua sorte. O babalaô lhe confirmou que a viagem seria muito penosa, que teria de sofrer numerosos reveses e que, se não quisesse perder a vida, não deveria jamais recusar os serviços que, por acaso, lhe fossem pedidos, nem reclamar das conseqüências que disso resultassem. Deveria, também, levar três roupas brancas para trocar e sabão.
Oxalufã se pôs a caminho e, como fosse velho, ia lentamente, apoiado em seu cajado de estanho. Encontrou, logo depois, Èsù Elèpo Pupa (‘Exu-Dono-do-Azeite-de-Dendê’), sentado à beira da estrada com um barril de Azeite-de-Dendê ao seu lado. Após uma troca de saudações, Exu pediu a Oxalufã que o ajudasse a colocar o barril sobre a sua cabeça. Oxalufã concordou e Exu aproveitou para, durante a operação, derramar, maliciosamente, o conteúdo do barril sobre Oxalufã, pondo-se a zombar dele. Este não reclamou, seguindo as recomendações do babalaô; lavou-se no rio próximo, pôs uma roupa nova e deixou a velha como oferenda. Continuou a andar com esforço, e foi vítima, ainda por duas vezes, de tristes aventuras com Èsù-Eléèdu (‘Exu-Dono-do-Cavão’) e Èsù Aláàdì (‘Exu-Dono-do-Óleo-da-Amêndoa-de-Palma). Oxalufã, sem perder a paciência, lavou-se e trocou de roupa após cada um das experiências.Chegou, finalmente, à fronteira do reino de Oyó e lá encontrou um cavalo que havia fugido, pertencente a Xangô.
No momento em que Oxalufã quis amassar o animal, dando-lhe espigas de milho, com a intenção de levá-lo ao seu dono, os servidores de Xangô, que estavam à procura do animal, chegaram correndo. Pensando que o homem idoso fosse um ladrão, caíram sobre ele com golpes de cacete e jogaram-no na prisão. Sete anos de infelicidade se abateram sobre o reino de Xangô. A seca comprometia a colheita, as epidemias acabavam com os rebanhos, as mulheres ficavam estéreis. Xangô, tendo consultado um babalaô, soube que toda essa desgraça provinha da injusta prisão de um velho homem. Depois de seguidas buscas e muitas perguntas, Oxalufã foi levado à sua presença e ele reconheceu seu amigo Oxalá. Desesperado pelo que havia acontecido, Xangô pediu-lhe perdão e deu ordem aos seus súditos para que fossem, todos vestidos de branco e guardando silêncio em sinal de respeito, buscar água três vezes seguidas a fim de lavar Oxalifã. Em seguida, este voltou a Ifan, passando por Ejigbô para visitar seu filho Oxaguiã, que, feliz por rever seu pai, organizou grandes festas com distribuição de comidas a todos os assistentes."
Essa lenda é comemorada todos os anos na Bahia, em certos terreiros, particularmente naqueles de origem kêto, por um ciclo de festas que se estende por três semanas.
Numa sexta-feira, dia da semana que no Brasil é consagrado a Oxalá, os axés do deus são retirados do seu "pejí" e levados em procissão até uma pequena cabana, feita de palmas traçadas e simbolizando a viagem de Oxalufã e a sua estadia na prisão.
Na sexta-feira seguinte, ou seja, sete dias após, representando sete anos de encarceramento, tem lugar a cerimônia das "Águas de Oxalá", águas para lavar Oxalá. Todos os que participam da cerimônia chegam na véspera, à noite. O maior silêncio é observado, a partir da quinta-feira ao findar do dia, estendendo-se até a manhã do dia seguinte. Os participantes vão, antes da aurora, pegar as "Águas de Oxalá", todos vestidos de branco e com a cabeça coberta com um pano igualmente branco. Forma um longo cortejo que vai em silêncio, precedido por uma das mais antigas mulheres dedicadas a Oxalá, que agita, sem parar, um pequeno sino de metal branco, chamado adja. Fazem três viagens até a fonte sagrada. Nas duas primeiras, a água derramada sobre os axés de Oxalá. Essa parte do ritual é realizada como lembrança das pessoas do reino de Oyó que foram, em silêncio e vestidas de branco, buscar água para Oxalufã lavar-se. Na terceira vez, que ocorre ao nascer do dia, os vasos cheios d’água são arrumados em volta do axé de Oxalá. A proibição de falar é sustada, cânticos acompanhados pelo ritmo dos tambores são entoados e transes de possessão se produzem entre as filhas de Oxalá, como testemunho da satisfação do deus.
No domingo seguinte, tem lugar uma cerimônia, pouco importante, mas exatamente uma semana depois, realiza-se uma procissão que leva os axés de Oxalá ao seu "pejí" simbolizando a volta de Oxalufã ao seu reino.
O terceiro domingo, finalizando o ciclo das cerimônias, é chamado de "Pilão de Oxaguiã" e evoca as preferências gastronômicas desse personagem. Distribuições de comida são realizadas em seu nome, a fim de festejar a volta do pai. Nesse dia, uma procissão leva ao barracão pratos contendo inhame pilado e milho cozido, sem sal e sem azeite-de-dendê, mas com limo da costa. Pequenas varas de arorí, chamadas ìsán, são entregues aos oxalás manifestados, às pessoas ligadas ao terreiro e aos visitantes importantes. Uma roda se forma, onde os dançarinos passam curvados diante dos orixás, que lhes dão, à passagem, um ligeiro golpe de vara; por seu lado, os que foram assim tocados dão e recebem, ao rodarem, golpes de vara da assistência. Há, sem dúida, nessa parte do ritual, reminiscência da luta de Ejigbô, no dia da festa de Oxaguiã.
Uma versão sincretizada das "Águas de Oxalá" é a lavagem do chão da Basílica do Senhor do Bonfim que acontece todos os anos na Bahia, na quinta-feira precedente ao domingo do Bonfim. Alguns piedosos católicos tinham o hábito de lavar zelosamente o chão da igreja, um ato de devoção que não é particular a esse templo. No Bonfim, porém, tomou um caráter diferente, pois os descendentes de africanos, movidos por um sentimento de devoção, tanto ao Cristo como ao deus africano, fizeram uma aproximação entre as duas lavagens: a dos axés de Oxalá e aquela do solo da igreja que leva o nome católico do mesmo orixá. Os devotos aparecem em grande número a fim de participarem da lavagem, na quinta-feira do Bonfim.
Essa lenda é comemorada todos os anos na Bahia, em certos terreiros, particularmente naqueles de origem kêto, por um ciclo de festas que se estende por três semanas.
Numa sexta-feira, dia da semana que no Brasil é consagrado a Oxalá, os axés do deus são retirados do seu "pejí" e levados em procissão até uma pequena cabana, feita de palmas traçadas e simbolizando a viagem de Oxalufã e a sua estadia na prisão.
Na sexta-feira seguinte, ou seja, sete dias após, representando sete anos de encarceramento, tem lugar a cerimônia das "Águas de Oxalá", águas para lavar Oxalá. Todos os que participam da cerimônia chegam na véspera, à noite. O maior silêncio é observado, a partir da quinta-feira ao findar do dia, estendendo-se até a manhã do dia seguinte. Os participantes vão, antes da aurora, pegar as "Águas de Oxalá", todos vestidos de branco e com a cabeça coberta com um pano igualmente branco. Forma um longo cortejo que vai em silêncio, precedido por uma das mais antigas mulheres dedicadas a Oxalá, que agita, sem parar, um pequeno sino de metal branco, chamado adja. Fazem três viagens até a fonte sagrada. Nas duas primeiras, a água derramada sobre os axés de Oxalá. Essa parte do ritual é realizada como lembrança das pessoas do reino de Oyó que foram, em silêncio e vestidas de branco, buscar água para Oxalufã lavar-se. Na terceira vez, que ocorre ao nascer do dia, os vasos cheios d’água são arrumados em volta do axé de Oxalá. A proibição de falar é sustada, cânticos acompanhados pelo ritmo dos tambores são entoados e transes de possessão se produzem entre as filhas de Oxalá, como testemunho da satisfação do deus.
No domingo seguinte, tem lugar uma cerimônia, pouco importante, mas exatamente uma semana depois, realiza-se uma procissão que leva os axés de Oxalá ao seu "pejí" simbolizando a volta de Oxalufã ao seu reino.
O terceiro domingo, finalizando o ciclo das cerimônias, é chamado de "Pilão de Oxaguiã" e evoca as preferências gastronômicas desse personagem. Distribuições de comida são realizadas em seu nome, a fim de festejar a volta do pai. Nesse dia, uma procissão leva ao barracão pratos contendo inhame pilado e milho cozido, sem sal e sem azeite-de-dendê, mas com limo da costa. Pequenas varas de arorí, chamadas ìsán, são entregues aos oxalás manifestados, às pessoas ligadas ao terreiro e aos visitantes importantes. Uma roda se forma, onde os dançarinos passam curvados diante dos orixás, que lhes dão, à passagem, um ligeiro golpe de vara; por seu lado, os que foram assim tocados dão e recebem, ao rodarem, golpes de vara da assistência. Há, sem dúida, nessa parte do ritual, reminiscência da luta de Ejigbô, no dia da festa de Oxaguiã.
Uma versão sincretizada das "Águas de Oxalá" é a lavagem do chão da Basílica do Senhor do Bonfim que acontece todos os anos na Bahia, na quinta-feira precedente ao domingo do Bonfim. Alguns piedosos católicos tinham o hábito de lavar zelosamente o chão da igreja, um ato de devoção que não é particular a esse templo. No Bonfim, porém, tomou um caráter diferente, pois os descendentes de africanos, movidos por um sentimento de devoção, tanto ao Cristo como ao deus africano, fizeram uma aproximação entre as duas lavagens: a dos axés de Oxalá e aquela do solo da igreja que leva o nome católico do mesmo orixá. Os devotos aparecem em grande número a fim de participarem da lavagem, na quinta-feira do Bonfim.
Essa festa é atualmente, uma das mais populares da Bahia. Nesse dia, as baianas, vestidas de branco, cor de Oxalá, vão em cortejo à igreja do Bonfim. Trazem na cabeça potes contendo água para lavar o chão da igreja e flores para enfeitar o altar. São acompanhadas por uma multidão, onde sempre figurão as autoridade civis do Estado da Bahia e da cidade de Salvador.
Arquétipo
O arquétipo de personalidade dos devotos de Oxalá é aquele das pessoas calmas e dignas de confiança; das pessoas respeitáveis e reservadas, dotadas de força de vontade inquebrantável que nada pode influenciar. Em nenhuma circunstância modificam seus planos e seus projetos, mesmo a despeito das opiniões contrárias, racionais, que as alertam para as possíveis conseqüências desagradáveis dos seus atos. Tais pessoas, no entanto, sabem aceitar, sem reclamar, os resultados amargos daí decorrentes.
O imenso respeito que o Grande Orixá inspira às pessoas do candomblé revela-se plenamente quando chega o momento da dança de Oxalufã, durante o xirê dos orixás. Com essa dança, fecha-se geralmente à noite, e os outros orixás presentes vão cerca-lo e sustenta-lo, levantando a bainha de sua roupa para evitar que ele a pise e venda a tropeçar. Oxalufã e aqueles que o escoltam seguem o ritmo da orquestra, que interrompem a cadência em intervalos regulares, levando-os a dar alguns passos hesitantes, entrecortados de paradas, no decorrer dos quais o conjunto de orixás abaixa o corpo, deixa cair os braços e a cabeça, por um breve momento, como se estivessem cansados e sem força. Não é raro ver pessoas que, vindas como espectadoras, deixa-se tomar pelo ritmo, dançam e agitam-se em seus lugares, acompanhando o desfalecer do corpo e a retomada dos movimentos, conjuntamente com os orixás, num afã de comunhão com o Grande Orixá, aquele que foi, em tempos remotos, o rei dos igbôs, longe, bem longe, em Iluayê, a terra da África.