ÌBÈRÈ — O RITUAL DE INICIAÇÃO
A iniciação possibilita manter a casa para pessoas habilitadas a lhe dar continuidade e manter um forte elemento de coesão do grupo, pela solidariedade natural que o fato determina. Todos passaram pelo mesmo ritual e sabem bem das diferentes situações enfrentadas. Os problemas emocionais, financeiros e psicológicos, aliados à força de vontade e, sobretudo, à humildade são um forte fator para se começar uma nova vida onde uma personalidade será construída. É todo esse conjunto de situações que possibilita o ingresso numa nova família: a família-de-santo.
A pessoa terá, então, um novo nome com o qual será conhecida, adquirirá novos hábitos e, principalmente, terá o compromisso constante como seu Òrìsà e com a sua Ìyálórìsà.
A reclusão possibilita treinamento metódico, estudo de sensações e observações gerais, além de ordenar e controlar as manifestações. Cria um condicionamento a certos ritmos e cantigas bem determinados, preparando a pessoa até o dia de dar o Orúko, ou seja, nome iniciático.
Não são os anos de feitura que promovem uma Ìyàwó, mas as obrigações de um, três e sete anos, quando então ela perde essa ÒRÌSÀ — pronúncia correta ORIXÁ — deuses Iorubás na África e no Novo Mundo — seriam ancestrais míticos encantados e metamorfoseados nas forças da natureza. Os deuses do Candomblé.
A palavra Orixá vem do sânscrito e é composta de OR ou ORI que significa “luz” e em Iorubá “cabeça”; XA que significa “senhor, chefe, dono”. São pois, as forças criativas da natureza. No Candomblé significa, dono da cabeça. A palavra “Orixá” significa, em iorubá “Ministro de Olorum”. Segundo outros autores, Oxalá é considerado o pai de todos os Orixás; e foi ele que os denominou Orixá. Este título de “pai”, neste caso, sugere a sua relação com as outras divindades no caso de muitas delas terem sido emanadas dele. A fragmentação do de seu corpo, e posterior recolhimento de todos os seus “pedaços” espalhados pela Terra, fez surgir a palavra Òrìsà, uma contração da expressão “OHUN TI A RI SÀ”, o que foi achado e juntado, fazendo, assim, surgir as demais divindades que foram denominadas Òrìsà.
ÌYÁLÓRÌSÀ — pronúncia correta IYÁLORIXÁ — sacerdotisa do Candomblé; mãe (no culto de Orixá) Dirigente Feminina.
ORÚKO — pronúncia correta ÔRÚKÔ — nome iniciático.
ÌYÀWÓ — pronúncia correta IAÔ — adepto do Candomblé que ainda não completou os 7 anos de iniciação. Iniciada, Iniciado. A palavra “Orixá” significa, em iorubá “Ministro de Olorum”.
condição, passando a ser uma Ègbónmi. Ìyàwó é o primeiro grau de um caminho de promoções.
BÓLÓNAN — BOLAR NO SANTO
É a primeira manifestação de um Òrìsà numa pessoa, que ocorre geralmente de forma bruta e sem qualquer previsão. Pode ser durante uma festa ao se cantar para um determinado Òrìsà; a pessoa é vítima de tremores e sobressaltos, caindo no chão inconsciente. Este momento é visto como um apelo do Òrìsà à iniciação. Bolar vem de embolar, e é uma formar alterada do yorubá Bólóna(n) , BO, cair + lóna(n), no caminho. Nesses casos, a dirigente a cobre com um pano branco e ela é carregada para o interior da Casa. Lá é desvirada e comunicada. Se desejar, já permanecerá para a iniciação. Na maioria das vezes, volta para casa, ficando o assunto para ser decidido mais tarde. Se permanecer no terreiro, será na qualidade de Abíyán, uma aspirante. Dará um Bori, e terá um colar de contas de seu Òrìsà e de Òsàlá, lavados com sabão-da-costa, e tomará um banho de folhas maceradas. Irá adquirir os materiais para a sua iniciação, comprando-os aos poucos, e passará a esperar por ela, que poderá ser junto com outros ou sozinha, o que sempre é mais oneroso. A iniciação conjunta estabelece um vínculo poderoso entre todos denominados irmãos-de-barco. Essa palavra barco pode ser entendida como um coletivo para os iniciados em grupo. Em outros casos, o Bólóna(n) se torna um ritual específico, quando o grupo a ser iniciado é reunido no terreiro e são entoados alguns cânticos de chamada. Isto tem o seguinte objetivo:
1 — Nos casos de haver no grupo pessoas apontadas pelo
Òrìsà como Ogans ou Ekedjis, para certificar-se de que eles não viram com o santo, podendo ser, assim, devidamente confirmados. Caso haja manifestação de algum Òrìsà, eles integrarão o grupo de futuros Adósù, ou seja, pessoas que serão devidamente raspadas e terão um ritual bem mais complexo e demorado.
2 — Certificar se o Òrìsà foi mesmo aquele revelado no jogo. A cantiga no qual se bolou será sempre lembrada e fará parte de sua
identidade.
Determinar a composição do barco de Ìyáwo, por ocasião da saída. O primeiro a se manifestar será o Dofono(a) do barco, ou seja, virá à frente dos demais. Através de articulações ou não, o primeiro será sempre um filho de Ògún, daí o título que este Òrìsà carrega, Asiwajú, o que vem na frente dos demais.
ETAPAS DA INICIAÇÃO
Em linhas gerais, há um modelo adotado pelas casas tradicionais pessoais da qualidade do Òrìsà. No Candomblé, cada caso é um caso diferente. Podemos enumerar os procedimentos a serem feitos:
1 — Subir para o Candomblé onde ficará três dias em descanso. São momentos de integração ao ambiente e às pessoas, longe dos problemas e outras preocupações.
2 — Será designada a Ajibóna(n) que a acompanhará como sua mãe criadeira. A iniciação já começa com a entrada da pessoa no Candomblé.
3 — No quarto dia, será realizado os Ebós, e a pessoa tomará banhos de ervas.
DOFONO — significa a primeira Ìyáwo, ou seja, aquele que virá à frente dos demais. O primeiro a se manifestar no ritual do Bólónan será o Dofono do barco. Porém, através de articulações ou não, o primeiro será sempre um filho de Ògún.
ÒGÚN — pronúncia correta OGUM — Gum: guerra — Orixá guerreiro da tecnologia e da metalurgia.
ASIWAJÚ — pronúncia correta ASSIUAJÚ ? — título de Ogum que quer dizer “o que vem na frente”.
CANDOMBLÉ — é uma estrutura de culto às forças da natureza, à um hino, à vida como Eterno Movimento, que se manifesta nas danças, nas cores dos ORIXÁS, nos elementos sacramentais. Ritual comunitário de cantos, danças e alimentos sagrados na sua forma pública, o Candomblé é sacramentado pelo Pai ou Mãe de Santo, pelos Filhos de Santo, pelos tocadores de atabaque (OGAN), que entoam os cantos sagrados possibilitando a vinda do Òrìsás, com a participação da comunidade dos mais velhos às criancinhas. Todos cantam e saúdam os ORIXÁS, executam a dança sagrada, num hino à Alegria, Amor e Partilha. A palavra Candomblé possui dois significados entre os pesquisadores: Candomblé seria uma modificação fonética de "Candonbé", um tipo de atabaque usado pelos negros de Angola; ou ainda, viria de "Candonbidé", que quer dizer "ato de louvar, pedir por alguém ou por alguma coisa". AJIBÓNA — pronúncia correta AJIBÓNAN (vogal precedida de N) — cargo dentro do Candomblé que significa “mãe criadeira”.
EBÓ — do original EBO — oferenda. Para outros, significa, também, limpeza.
O RITUAL
Dar o Bori para, em seguida, entrar no Ilé Àse ou Hunko numa quarta ou quinta-feira. A partir daí o recolhimento é total.
Essa dependência da Casa é muito especial e onde é colocada uma esteira forrada com lençol branco, tendo por baixo algumas folhas sagradas.
Nos dezessete dias que virão realizam-se diversos ritos: o Gérun, o corte dos cabelos, lavagem da cabeça e a raspagem. Este ato é feito com a futura Ìyàwó. O cabelo representa a força. Dar o cabelo ao Òrìsà é um ato de submissão e renovação, pois o cabelo ao nascer de novo, vem com toda a força do Òrìsà. No Candomblé Kétu não são feitos tantos cortes, não confundir o Bori com o ato de iniciação. Ele é um ritual que antecede obrigatoriamente a iniciação, e nada tem a ver com “Bori de Fundamento ou de Feitura”.
ILÉ ÀSE — pronúncia correta ILÊ AXÉ — ILÉ = casa; no sentido mais amplo, a Terra — ÀSE = é a força vital e sagrada que está presente em todas as coisas que a natureza produz; grande fonte de poder que é mantida, ampliada e renovada por meio dos ritos que se processam nos Candomblés — ILÉ ÀSE é o espaço mágico — sagrado para o desenvolvimento das atividades religiosas, onde o exercício do culto é ministrado pelo seu dirigente. Para outros, o mesmo que Hunko.
HUNKO — pronúncia correta RUNCÓ — também conhecido como Roncó ou Camarinha — local onde se realiza o recolhimento e iniciação da Ìyàwó.
GÉRUN — pronúncia correta GUÊRUN ? — o corte dos cabelos, feito no ritual de iniciação da feitura do Santo.
A bucha é de origem asiática e aclimatada no Brasil, sendo muito utilizada nos serviços de limpeza. Na sua falta são utilizadas fibras de palha-da-costa.
FÁRI — pronúncia correta FARÍ — é o ato de raspar a cabeça para que sejam feitas as obrigações diretamente na cabeça. Vem de Fá = raspar, e Orí = cabeça. FÁ — pronúncia correta FÁ — raspar.
GBÉRÉ — pronúncia correta GUIBÉRÉ ou BÉRÉ ? — uma sutil incisão que é feita no alto e centro da cabeça, onde é fixado o Òsù, no ato da feitura de Santo.
Nos Candomblés de Angola, são feitos cortes em outras partes do corpo, inclusive na língua, e denominados Kura. Antigamente, essas kuras eram reabertas nas sextas-feiras santas.
KÉTU — pronúncia correta Kêtú — nação do Candomblé em que predomina o rito Iorubá. KETU: a cidade de Oxóssi.
Entende-se que o Àse irá penetrar pelos poros do corpo. Os sacrifícios são efetuados. Durante o ato do sacrifício, os cânticos tradicionais não são cantados. Tudo é feito em silêncio.
O sacrifício é um ato que segue a interpretação de que o sangue dá a vida, e as penas, a proteção, em lembrança da forma como a galinha acomoda seus pintinhos debaixo das asas.
Na seqüência, é feito o Kàro, o juramento da Ìyàwó, e o ritual de cantar folhas, o Sàsányìn. Será nesta oportunidade que o com o Odù da Ìyàwó será conhecido. Colocam-se em suas mãos os búzios para ela mesma jogar e a Ìyálórìsà interpreta a caída. As regras repetidas 3, 7 e 16 dias.
ÀSE — pronúncia correta AXÉ — é a força vital e sagrada que está presente em todas as coisas que a natureza produz; grande frente de poder que é mantida, ampliada e renovada por meio dos ritos que se processam nos Candomblés. Axé significa “que assim seja”, ou “que Deus permita que isto aconteça”. É uma palavra sagrada tão importante quanto Amém, Assim Seja, Aleluia e tantas outras.
KÀRO — pronúncia correta KARÔ — é o juramento da Ìyàwó.
OBÌ — pronúncia correta ÔBÍ — noz de cola; fruto africano tão importante para o Candomblé quanto a hóstia para a Igreja Católica.
SÀSÁNYÌN — pronúncia correta SÁSSAN-IN — o ritual de cantar folhas.
ODÚ — do original ODÙ — pronúncia correta ÔDÚ — caminho, destino.
ÌYÁLÓRÌSÀ — pronúncia correta IYÁLORIXÁ — sacerdotisa do Candomblé; mãe (no culto de) Orixá. Dirigente Feminina.
No Sábado, que corresponde ao terceiro dia, realiza-se o ritual do Efun, a pintura da cor branca, que é feita com a nervura dendezeiro ou penas das aves. São saídas internas, feitas somente com a Ìyàwó de cabeça baixa e toda pintada de branco. Sai com o Ekódíde e o Osù, fazendo Pawó em frente à porta de entrada e aos atabaques. O Odíde é um pássaro sagrado por ser o único animal que fala. A sua pena vermelha é usada no sentido de lembrar o sangue menstrual da fertilização e dar o poder de abrir a fala da Ìyàwó.
Uma Ìyàwó nunca fica sozinha. É sempre acompanhada pela mãe-criadeira, que é a sua responsável. Na quarta-feira, é o dia da pintura do wàji e do Osùn, respectivamente, as cores azul e vermelha. Essas saídas Efun são realizadas com a Ìyàwó manifestada com o seu Òrìsà.
Essas pinturas representam uma forma de proteção e fechamento de corpo, impedindo que os pássaros das Àjé, as feiticeiras, pousem em sua cabeça.
Um cântico tradicional, ainda cantado na África por ocasião de ritos
semelhantes. A cor azul representa a bondade; a vermelha, boas notícias e a branca, a paz.
Nos intervalos, a mãe-criadeira procura saber o que a Ìyàwò sonhou, como está a sua reação. Algumas restrições são exigidas: comer com as mãos, sentar só no chão e, para ser atendida, fazer o Pawó, bater palmas. Essas proibições serão atenuadas após o Pana(n), que se revestirá da quebra destas e de outras kizilas impostas.
EFUN — pronúncia correta ÉFUN — tintura branca, de origem mineral, feita com a nervura do dendezeiro. Pintura feita na Ìyàwó.
EKÓDÍDE — alguns chamam IKÓDÍDE — pronúncia correta ÉKÔDIDÉ — pena vermelha do pássaro chamado Odíde.
PAWÓ — pronúncia correta PAUÓ — bater palmas.
ÒDÍDE — pronúncia correta ÔDÍDÉ — pássaro sagrado que possui pena vermelha. É um pássaro sagrado por ser o único anima que fala.
WÁJI — pronúncia correta UÁJÍ — tintura azul de origem mineral. Pintura feita na Ìyàwó.
OSÙN — pronúncia correta ÔSSUN — tintura vermelha de origem mineral. Pintura feita na Ìyàwó.
AJÉ — do original ÀJÉ — o mesmo que Eleiye. São as Ìyámin. A Ajé-Mãe mais conhecida é Iyá-Mi-Oxorongá. IYAMI OSHORONGÁ — também chamada ÌYÁ-MI — v. Iyá-Mi Oxorongá — (ancestrais femininos cultuados coletivamente; é a representação do poder feminino expresso na possibilidade de gerar
filhos). As temíveis feiticeiras. As Grandes Mães. As Iyá-Mi são a representação das mulheres ancestrais. Todas as Grandes Mães que passaram pela terra integram o corpo das Ìyá-Mi.
PANA — pronúncia correta PANAN (vogal precedida de N) — quebra de kizilas; o final do castigo. PANA(N) vem de PA ÌNA(N).
O Ìyàwó participara dos rituais, em alguns casos acordada e em outros necessariamente virada com o seu Òrìsà. Em seu confinamento, aprende as danças, rezas, o modo de se comportar. É ensinado o repertório do seu Òrìsà, com as cantigas que lhe estão associadas, como também a do grupo do qual fará parte. Passa a conhecer a hierarquia do terreiro, seus deveres e obrigações. É o tempo do Kélè, um colar que se ajusta ao pescoço para lembrar-lhe sua condição de iniciante e suas severas restrições.
A Ìyàwó recolhida usará o Sàworo, uma pulseira feita de palha-da-costa trançada, com guizos, e usada no tornozelo. Ele a acompanhará em todo o processo de iniciação, possibilitando revelar onde a pessoa se encontra, principalmente nos momentos de Erè, um tipo de entidade infantil que se apossa da pessoa para atenuar a rigidez do recolhimento. Revela os mitos, que foi uma forma de Yemojá saber onde Omolu se encontrava, quando se escondia nos pântanos, envergonhado das doenças de seu corpo.
Após a iniciação haverá mais outras três obrigações: de 1, 3 e 7 anos, que complementarão o seu aprendizado, deixando, então, de ser Ìyàwó, para ser Ègbónmi.
Sábado, o 17° dia, será a cerimônia do Orúko Ìyàwó, literalmente, o dia em que será revelado o nome iniciático.
KELE — colar que se ajusta ao pescoço para lembrar à Ìyàwó a sua condição de iniciante e suas severas restrições.
SÁWORO OU SÀWORO — pronúncia correta XÁUÔRÔ — é um trançado de palha-da-costa com guizos, usado no tornozelo, símbolo de Omolu. Segundo alguns é também usado no tornozelo para afastar os espíritos de Àbìkú que tentam buscá-lo, lembrando-lhe a data de sua volta.
ERE — pronúncia correta ÊRÊ — segundo alguns vem do original ERE e segundo outros, vem do yorubá ÌYERE (logo, a pronúncia deveria ser IÊRÊ, grifo nosso) — entidade infantil ligada a todos os Orixás. É uma vibração especial dos Orixás; é o mediador entre o iaô, o babalaô e um Orixá. O iaô recebe Erê tomando a vibração infantil ordenada.
YEMOJÁ — pronúncia correta YEMANJÁ (deveria ser YEMONJÁ — vogal precedida de M - grifo nosso) — Orixá do mar. O nome Iemanjá, ou seja, Yemojá deriva de Yèyé omo ejá que vem de iya: "mãe"; omo: "filho"; eja: "peixe" e que quer dizer "Mãe cujos filhos são peixes". Na África Iemanjá é a Rainha dos Rios; daí é o Orixá que em terra yorubá é patrona de dois rios: o rio Yemonja e o rio Ògún — não confundir com o Orixá Ògún, Deus do ferro. Daí Yemonja estar associada à expressão Odò Iyá, ou seja, "Mãe dos Rios".
OMOLU — pronúncia correta OMÓLÚ — Omolu é uma flexão dos termos: Omo= filho; Oluwô= senhor. Omolu quer dizer "filho e senhor”.
Ègbónmi significa, minha irmã mais velha ou meu irmão mais velho. É uma saudação que se transformou em título indicativo de precedência.
ORÚKO ÌYÀWÓ — pronúncia correta ÔRUKÓ IAÔ — é o dia em que será revelado o nome iniciático. ORÚKO = nome iniciático; ÌYÀWÓ = adepto do Candomblé que ainda não completou os a Ìyàwó, sentada num banquinho, sofrerá nova raspagem e haverá um novo sacrifício animal. Já com o seu santo assentado, acompanhado das contas e o Mokan, símbolo da iniciação, será dado o Àse da fala, com um pombo e a pena do pássaro Òdíde.
À noite será a cerimônia pública, com três aparições, sendo que algumas casas o fazem com quatro apresentações. A primeira saída vem de branco em homenagem a Òsàlá, a segunda com roupas coloridas, e a terceira com roupa de gala de seu Òrìsà, trazendo suas insígnias. É denominada saída rica. Será na última apresentação que o Òrìsà dará o nome pela boca da Ìyàwó. É o Ojó Orúko, ou seja, o dia do nome. Cada Òrìsà tem características particulares, mesmo sendo o mesmo Òrìsà com a mesma qualidade; porém, trata-se de energias diferentes, com dosagens diferentes.
Todo Òrìsà tem sua adoração especial, e então tem um nome para se
diferenciar dos demais. Para isto, é convidada uma pessoa proeminente da religião para tomar-lhe o nome. Ela recebe uma sineta, Àdjà, o símbolo do poder e da autoridade. Num rápido passeio pelo salão com a Ìyàwó, agitando o Àdjà, lhe pergunta o seu nome, por três vezes, e ela responde após uma volta por si mesma. Será este o seu novo nome, e que é recebido com palmas e com a presença de outros Òrìsà.
A Ìyàwó é agora um falcão, com o poder das alturas, que a distanciarão dos perigos. É um dos objetivos da iniciação.
A seguir, nesta mesma noite, as Ìyàwó irão trocar de roupa e levar o carrego, Erù Ìyàwó, de suas obrigações. É o carrego final para a fertilização da terra, pois no Candomblé nada se perde. É o Erùpin. Verger revela que, na África, quem dá o nome é a própria pessoa que realizou a iniciação. Em outros tempos, nos Candomblés, era desta forma que o nome era anunciado.
ÀDJÀ — pronúncia correta AJÁ — sineta, símbolo do poder e da autoridade.
ERÙ ÌYÀWÓ — pronúncia correta ERÚ IAÔ — é o carrego das obrigações da Ìyàwó. ERÙ = carrego; ÌYÀWÓ = pronúncia correta IAÔ — adepto do Candomblé que ainda não completou os 7 anos de iniciação. Iniciada, Iniciado.
É o ERÙPIN, de ERÙ = carrego e PIN = final. Ou seja, é o carrego ou ritual final, que será deixado em local determinado pelo jogo. Ao sair com o carrego coberto por um pano branco e levado na cabeça, as luzes são apagadas, e cantam:
Erù pin — o carrego ou ritual final
E rù dà— você carrega silenciosamente
Dá níse — sozinha e cansada
Bó re adá— libertando-se dele
Erù pin o
E rù dà
Dá níse
Bó re adá
Ao retornarem cantam:
A se ma re lé — vocês surgem e tornam-se realidade
O kú àbó òde — saudamos seu retorno, bem-vindos
Ilé okun lè — a casa tem a força de que vocês precisam.
Retornam com as luzes acesas, e todos cantam para Òsàlá. No dia seguinte, domingo, será o ritual do Pana(n), de Pa e ìna(n) — o castigo final. Num ambiente informal e descontraído, as proibições — Èwò, que anteriormente eram imperativas, são atenuadas.
ÈWÒ — pronúncia correta ÊUÓ — coisa proibida. Proibição, regra, preceito; o mesmo que quizila. Tudo aquilo que provoca uma reação contrária ao axé, dá-se o nome de kizila ou èwò, ou à volta à consciência normal com um reaprendizado dos gestos da vida comum. Assim, todos imitam atividades diversas, como costurar, varrer, lavar, capinar, etc. Ficam em estado de Ere, do yorubá Ìyere, uma divindade encantada de características infantis, uma forma de descontração após dezessete dias de rígida disciplina. Ela será maior com a retirada de Kele, três meses após, ou antes, dependendo de suas atividades normais.
Trata-se de uma cerimônia particular, podendo haver festa, contanto que o ritual seja privativo.
Uma pessoa, quando sai da iniciação, não é mais a mesma. Ela é modificada, por força de certas restrições que lhe foram determinadas. Por exemplo, o que comia antes já não pode comer mais. Comer manga e abacaxi faz o sangue ficar quente, e isto pode não ser bom para a pessoa. Carne de porco e de caça pode vir a ser problema. São kizilas que trarão problemas para o corpo. Outros tipos de kizila são determinados pelo respeito. Não comer abóbora é explicado pelo mito que revela que ela é a representação do primeiro ventre que pariu o primeiro ser. Se comer abóbora estará comendo a barriga da mãe ancestral. Outras são as kizilas solidárias, ou seja, o respeito à kizila da Ìyálórísà, ou de seus irmãos-de-barco. Kizilas de cor, não usar pano xadrez ou vermelho, tudo isto vem pelo fato de que o Òrìsà tudo determina, pois é ele que usa o corpo conforme os seus desejos. Uma kizila infringida quebra a força que o Òrìsà botou na pessoa.
Como dissemos, as próximas etapas serão as obrigações de um, três e sete anos, que de certa forma poderão ter o seguinte andamento:
1 ano — 3 dias de recolhimento, no mínimo: Ebo, Bori, oferendas secas e bichos de pena. Não leva Ekódíde, nem Osù e não raspa.
3 anos — uma semana de recolhimento: Ebo, Bori, oferendas secas, animais de duas e quatro patas, cantam-se folhas nos três, sete e dezesseis dias.
7 anos — uma semana de recolhimento (varia de asè para asè); mesmas obrigações anteriores, usa o Kele de sua iniciação e faz resguardo de 21 dias. Após esta obrigação terá algumas regalias, como a de ter Oyè, um título que qualificará suas funções. Ele pode ser com função restrita a um Òrìsà, ou pertinente aos atos da sociedade, de um modo geral.
Alguns exemplos de Oyè:
Afikode — posto no quarto de Òsóòsì.
Àjímúdà — posto no quarto de Omolu.
Apokan — posto no quarto de Omolu.
Balógun — posto no quarto de Ògún.
Elémòsó — posto no quarto de Òsàgiyán.
Ìgbàlè — posto no quarto de Yánsàn.
Kaweó — posto no quarto de Òsányìn.
Ogalá — posto no quarto de Òsàlá.
Sobalóju — posto no quarto de Sàngó.
Ìyá Efun — a mãe do branco, a responsável pela pintura. Geralmente, são filhos de Òsàlá.
Ìyá Síhà — significa seguir em direção a um caminho, sendo ela quem conduz o estandarte de Òsàlá.
Ìyá Égbé — mãe da sociedade, com funções de conselheira, de manter a ordem e a tradição.
Ìyábàsè — responsável pela cozinha, de Sè = cozinha.
Sárepégbé — aquele que leva os convites e recados a outros Candomblés, de sáre = correr,
pè – convidar, égbé – sociedade.
Ìyáláse — zeladora do Àse.
Tojúomo — aquela que olha pelas crianças, de Ojú – olhar, Omo – criança.
Akòwé — responsável pelas compras, literalmente, escritora, secretária.
Ìyámórò — responsável pela cuia do Ìpàdé, de mú – pegar, orò –
obrigação.
Alágbè — tocador de atabaque, de alá – dono, agbè – cabaça.
Asògún — o que sacrifica os animais, literalmente, aquele a quem foi outorgado o Àse de Ògún.
Todos os trabalhos são feitos em cima de determinadas propriedades do corpo, sendo seu reduto principal o Orí, ou seja, a cabeça. Ele representa todo o Àse que uma pessoa possui. É a essência da sorte e a mais importante força responsável pelo sucesso. A sobrevivência
do ser humano depende do Orí e de quem mexe nele.
Existem pessoas que têm as seguintes características:
Owó Àjé — mão de feitiço
Owó Burú— mão ruim
Owó Ìkú —mão da morte
Owó Rere —a boa mão, a mão da sorte.
A grande tarefa de quem vai se iniciar é buscar a casa cuja dirigente tenha a mão da sorte e da felicidade — Owó Rere. Para detectá-la, basta verificar o terreiro, o dia-a-dia de sua dirigente e a situação das pessoas que lá se encontram. Devem ser considerados dois pontos: a iniciação não promove ninguém à riqueza financeira, embora não seja descartada esta hipótese; segundo, ter uma boa mão não está relacionada ao conhecimento, embora as duas condições sejam o ideal. Esta preocupação inicial é fundamental para que não ocorra desilusão na escolha e a pessoa, posteriormente, entre na rotina de ficar pulando de Casa em Casa, e a sua cabeça rolando de mão em mão.
A ciência dos ritos, e em especial a iniciação, tem como base o sacrifício como meio de despertar energias para uma afinidade.
O orí, que nós chamamos de cabeça e que contém a individualidade e o destino, desaparece com a morte, pois é único e pessoal, de modo que ninguém herda o destino de outro. Cada vida será diferente, mesmo com a reencarnação.
Um Orí possui cinco pontos de real importância para os ritos do Candomblé:
Ìpakó —a nuca
Iwájú Orí —a testa
Apá Òtún —fronte do lado direito
Apá Òsì —fronte do lado esquerdo
Àwùje— o alto e centro da cabeça, onde é feito o Gbéré.
Existe uma relação entre os Àbìkú e os Ibéji; um não quer ficar no mundo, o outro vem em forma dupla. Quem é Àbìkú não pode ser raspado e nem raspar ninguém. Não joga e nem coloca as mãos nos búzios. aquele que nasce para morrer. Pessoas que sobreviveram a situações perigosas no nascimento, como os nascidos com o cordão umbilical em volta do pescoço, os que nasceram com os pés, os abandonados recém-nascidos e os que ficaram órfãos ao nascer, etc. São duas as interpretações: a criança que, ao nascer a ãe morre; a criança que morre ao nascer em partos sucessivos. O ideal iorubá do renascimento é às vezes tão extremamente exagerado, que alguns espíritos nascem e em seguida morrem somente pelo prazer de rapidamente poder nascer de novo.
São os chamados ABIKUS (literalmente, nascido para morrer).
Segundo alguns, o Sáworo é um trançado de palha-da-costa com guizos, usado no tornozelo, símbolo de Omolu. Em seguida, coloca-se uma cabaça aberta pela metade, emborcada na cabeça da pessoa, onde serão feitas as pinturas, banhos e demais preceitos. Toda essa técnica é realizada de madrugada por haver maior concentração de energia.
Em linhas gerais, a cabeça é a principal divindade de uma pessoa devido ao seu relacionamento com o destino e sua sorte. O seu poder pode ser assim definido:
“Orí eni ni mu ‘ni j’oba” - A cabeça de uma pessoa faz dela um rei.
É a principal parte do ser humano. Geralmente vem primeiro ao mundo, abrindo caminho para trazer o resto do corpo. É através do Orí que nos alimentamos e nos comunicamos, sendo a sede da consciência e dos principais sentidos físicos. Pela sua importância, encarregou a um antigo Òrìsà, Àjàlá, a tarefa de moldar o Orí com barro da melhor qualidade fornecido por Òsàlá. Entretanto, como nem sempre os Orí saiam com perfeição desejada, Olódùmarè ordenou a Òrúnmìlà que ensinasse aos seres humanos como restabelecer o equilíbrio necessário em suas cabeças. Assim, nasceu a cerimônia do Bori. O conceito de Orí é básico para explicar acontecimentos que de outra forma seriam incompreensíveis, como a morte súbita, sofrimentos e boa sorte.
As diferentes cerimônias realizadas no corpo de um iniciado possuem relação direta com os conceitos da criação divina. A cultura yorubá que deu o modelo de Candomblé Kétu no Brasil entende o ser humano como uma composição de elementos físicos e extra-físicos assim definidos, que explicam a razão do que até aqui foi explicado.
ORÍ ENI NI MU ‘NI J’OBA — pronúncia correta ÔRÍ ENÍ NÍ MÚ NÍ JÓBÁ — expressão que
quer dizer “A cabeça de uma pessoa faz dela um rei”.
ÀJÀLÁ — pronúncia correta AJÁLÁ — antigo Orixá encarregado da tarefa de moldar o Orí
com barro da melhor qualidade fornecido por Oxalá.
OLÓDÙMARÈ — pronúncia correta ÔLÔDUMARÊ — o deus Supremo. O mesmo que Olórum.
ÒRÚNMÌLÀ — pronúncia correta ORUNMILÁ — deus criador do oráculo de Ifá. A testemunha do Destino.
INICIAÇÃO NO CANDOMBLÉ KÉTU
O sacerdócio e organização dos ritos para o culto dos Òrìsàs são complexos, com todo um aprendizado que administra os padrões culturais de transe, pelo qual os deuses se manifestam no corpo de seus iniciados durante as cerimônias para serem admirados, louvados, cultuados.
Os iniciados, filhos e filhas-de-santo (ìyàwó), em linguagem ritual, também são popularmente denominados "cavalos dos deuses" uma vez que o transe consiste basicamente em mecanismo pelo qual cada filho ou filha se deixa cavalgar pela divindade, que se apropria do corpo e da mente do iniciado, num modelo de transe inconsciente bem diferente daquele do kardecismo, em que o médium, mesmo em transe, deve sempre permanecer atento à presença do espírito. O processo de se transformar num "cavalo" é ser assim sumariados:
Para começar, a mãe-de-santo deve determinar, através do jogo de búzios, qual é o Òrìsà dono da cabeça daquele indivíduo (Braga, 1988). Ele ou ela recebe então um fio de contas sacralizado, cujas cores simbolizam o seu Òrìsà, dando-se início a um longo aprendizado que acompanhará o mesmo por toda a vida. A primeira cerimônia privada a que a noviça (abíyán) é submetida consiste num sacrifício votivo à sua própria cabeça (borí), para que a cabeça possa se fortalecer e estar preparada para algum dia receber o Òrìsà no transe de possessão. Para se iniciar como cavalo dos deuses, a abíyán precisa juntar dinheiro suficiente para cobrir os gastos com as oferendas (animais e ampla variedade de alimentos e objetos), roupas cerimoniais, utensílios e adornos rituais e demais despesas suas, da família-de-santo, e eventualmente de sua própria família durante o período de reclusão iniciática em que não estará, evidentemente, disponível para o trabalho no mundo profano.
Como parte da iniciação, a noviça permanece em reclusão no terreiro por um número em torno de 21 dias. Na fase final da reclusão, uma representação material do Òrìsà do iniciado (assentamento ou igbáòrìsà) é lavada com um preparado de folhas sagradas trituradas.
No Candomblé sempre estão presentes o ritmo dos tambores, os cantos, a dança e a comida (Motta, 1991). Uma festa de louvor aos Òrìsà (toque) sempre se encerra com um grande banquetecomunitário (ajeum), que significa "vamos comer", preparado com carne dos animais sacrificados. O novo filho ou filha-de-santo deverá oferecer sacrifícios e cerimônias festivas ao final do primeiro, terceiro e sétimo ano de sua iniciação. No sétimo aniversário, recebe o grau de senioridade (Ègbónmi), que significa "meu irmão mais velho"), estando ritualmente autorizado a abrir sua própria casa de culto. Cerimônias sacrificiais são também oferecidas em outras etapas da vida, como no vigésimo primeiro aniversário de iniciação. Quando um iniciado morre, rituais fúnebres (axexê) são realizados pela comunidade para que o Òrìsà fixado na cabeça durante a primeira fase da iniciação possa desligar-se do corpo e retornar ao mundo paralelo dos deuses (Orun) e para que o espírito da pessoa morta (egún) liberte-se daquele corpo, para renascer um dia e poder de novo gozar dos prazeres deste mundo.
Fonte: Livro o Culto dos Orixás