Papo de Terreiro: março 2016

O Ritual da Kura ou Fechamento de Corpo

 

 

 

Olá meus Irmãos! Bora pra mais um Papo de Terreiro? E o assunto agora é:

 

O ritual da Kura ou fechamento de corpo

 

 

 

 

O ritual da Kura ou fechamento de corpo praticado em muitos candomblés na Sexta Feira da Paixão, que é uma data que os católicos dedicam à memória da crucificação de Jesus Cristo, tem origem nas mais antigas práticas bantos de calundus (formações religiosas anteriores à formação do candomblé modelado pelo Ketu na Bahia).


A “cura” é uma denominação para a “cruza ou cruz”, sinal recebido dos mercadores e traficantes de escravos para marcá-lo e distinguí-lo dentro de um grande número de indivíduos, principalmente assim agiam os mercadores e traficantes espanhóis, portugueses e brasileiros (muitos referidos ao longo da História como sendo portugueses). Tal símbolo era marcado nos braços, peito, costas dos escravos de forma a marcá-lo com sendo já batizados e portanto que já haviam recebido o nome pelo qual deviam ser conhecidos doravante, só então depois eram conduzidos ao Brasil em navios negreiros. Tal flagelo atendia a grandes encomendas de escravos principalmente para o árduo trabalho da lavoura no Ciclo da cana de açúcar.

Em fongbè (Língua Fon) a cruz é denominada kluzú (pronunciando-se curuzú, que dá nome a uma localidade em Salvador, Bahia). Para o indivíduo banto de forma geral e principalmente no Brasil ficou entendida como KURA. Também no Brasil muitos índios entenderam o símbolo da cruz como curuçá ou cruçá a partir dos Jesuítas, passando assim a denominá-la.

O segredo do fechamento de corpo no ritual da kura está no que lhe é passado depois da marcação do sinal e o que é rezado naquele momento, diferindo os ingredientes passados e ingeridos e as rezas de acordo com o Candomblé.

Durante o primeiro processo de iniciação, são diversos os rituais que têm lugar, e pelos quais os Yawôs têm que passar para poderem receber o seu Orisá de forma íntegra.
São tomados diversos cuidados para que o iniciado possa de fato, dali para a frente estar munido do conhecimento necessário, mas também de defesas necessárias, uma vez que vai nascer para a sua “nova vida”.
Não se trata só de munir e proteger o espírito das defesas necessárias, mas também o seu corpo físico e nesse âmbito, são feitas as chamadas Kuras.

As Curas são incisões feitas no corpo do Yawô, que por um lado representam o símbolo de cada tribo, como o símbolo de cada Ilê (casa de Candomblé), mas têm o objetivo de fechar o corpo do Yawô, protegendo-o de todo o tipo de influência negativas.
Para isso são feitas as incisões (o que chamamos de abrir) e nessas incisões é colocado o Atim (pó) de defesa para aquele Yawô (iniciado). O Atim tem uma composição base de diversas plantas e substâncias, mas o Atim utilizado para as Kuras, contêm também as ervas do Orisá daquele Yawô em quem ele vai ser aplicado.

Sabemos que em algumas casas a Kura pode também ser tomada como infusão de ervas, porém na maioria das Casas de Candomblé, as Kuras, que são de origem Africana, são feitas como incisões ou cortes e nesse cortes são colocados pequenos punhados de Atim, para que esse Atim penetre no corpo e o proteja de males exteriores enviados contra a pessoa.

Normalmente, as Kuras são feitas no peito, dos dois lados, nas costas, também dos dois lados e nos braços, evitando assim que de frente, de costas ou no manuseio de qualquer coisa algo negativo possa entrar no corpo do Yawô.
É comum também fazer-se na sola dos pés para evitar que o pisar de algo negativo possa interferir com o Yawô, havendo ainda, alguns zeladores que fazem uma Kura na língua dos seus Yawôs, para que os mesmos não comam comidas “trabalhadas” e caso as comam, para que essas comidas não lhe façam mal.

Existem muitos sacerdotes que deixaram de seguir a tradição citada anteriormente, no entanto passam uma combinação de folhas no corpo do iniciado, como se estivessem de fato fazendo as pequenas incisões. Diz-se que o resultado é o mesmo.

Quando o Candomblé foi organizado aqui no Brasil, ficou estabelecido que os dias de óssé wè mó ( ato de limpar e ofertar alimentos aos Orisás) teria que se adaptar ao sistema ocidental de sete dias pois, na África, a semana Iorubá era composta de quatro dias devido a crença de que o mundo havia sido criado neste espaço de tempo.
Todas as casas de Candomblé dedicam as sextas-feiras ao Orisá da paz, Senhor da criação, considerado pai de todos os outros Orisás. É comum neste dia todos os adeptos do Candomblé usarem o branco, a cor deste Orisá. Como descreve esta saudação: "Òrìsànlá Olúwa èwù ni funfun" (O Grande Òrisá dono do manto branco).

A sexta-feira santa é uma data Cristã que lembra o sofrimento de Jesus Cristo. Para o Candomblé este dia continua sendo consagrado a Osalá.
 
Nos Candomblés, na sexta-feira santa é feito o ritual da "Kura" com o objetivo de proteger-lhes contra doenças, roubos e todos os tipos de negatividades, daí ser chamada de "fechamento de corpo".
 
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forte abraço!

Babalorixá Oríosè

Asé!


fonte: Os mistérios da áfrica
 

HIERARQUIA E PODER NO TERREIRO



Olá meus Irmãos! Bora pra mais um Papo de Terreiro? E o assunto agora é:

HIERARQUIA E PODER NO TERREIRO

O indivíduo que começa a freqüentar a casa e ainda não é iniciado chama-se abiã. Este acompanha as festas, freqüenta a casa, pode passar por banhos de folha e alguns rituais mais simples, mas a ele não é revelado nenhum segredo. O abiã não entra no quarto-de-santo e nem no runcó (camarinha); é como se o mesmo ainda não existisse para o candomblé. “A Abiã ainda não é filha-de-santo. É uma aspirante que ainda se encontra no estágio de quem já fez uma pequena obrigação, que freqüenta o terreiro e participa de certas cerimônias rituais. A abiã pode ou não tornar-se uma Iyawô”
(SIQUEIRA, 1998, p. 197).

Prandi (1991, p. 164) faz uma síntese para explicar a distinção entre os iniciados que manifestam orixá e aqueles que não têm essa possibilidade: Há duas classes de sacerdotes no candomblé, os que rodam no santo, viram no  santo, entram em transe; e os que não. Os primeiros são os chamados rodantes e terão que passar pelo rito de feitura, fixação do orixá na cabeça (ori) e no assentamento, o ibá-orixá, que é o altar particular deste orixá pessoal [...]. Estes rodantes, uma vez “feitos”, formam a classe dos iaôs, os quais, após a obrigação do sétimo ano de iniciação, atingem o grau de ebômi, passando a fazer parte do alto clero, recebendo cargos na hierarquia, ao lado do pai ou da mãe-de-santo, a autoridade suprema.

Na base da escala hierárquica estão os iaôs. Estes são os filhos-de-santo, que podem ser homens ou mulheres, os quais se iniciam a um determinado orixá por meio da feitura até o fechamento do ciclo iniciático, no momento da obrigação de sete anos. A feitura é o início do processo de formação do iaô, “considera-se como fundamental saber observar com respeito, e sem fazer perguntas; esta é a base de formação de uma Iyawô”. (Siqueira, 1998, p. 200).

Segundo Lima (2003, p. 73) “a palavra iaô provém do iorubá iyawo (iauô), que significa a esposa mais nova nos sistemas familiares poligínicos dos iorubas”. Nota-se, em Prandi (2001, p. 54), que “as iaôs (ou os iaôs, pois há muito a palavra iaô perdeu no candomblé a conotação de esposa), os jovens iniciados, enfim, só fazem obedecer, usando símbolos e cultivando gestos e posturas que denotam a sua inferioridade hierárquica”.



Os iaôs representam a base do trabalho em uma casa de candomblé: varrem o chão, limpam a casa, acendem o fogo, carregam água, decoram o barracão, se houver necessidade podem fazer a comida, tanto ritual como a alimentação. Ainda não têm poder de decidir, somente obedecem às autoridades da casa.

Outra categoria é formada pelos ebômis, iniciados que chegaram ao fim do seu período de iniciação que dura sete anos; foram iaôs e pagaram a obrigação de sete. Em yorubá egbon mi” quer dizer meu irmão mais velho. O ebômi possui certo prestígio dentro da casa; é dentre eles que o pai ou mãe-de-santo escolhe a quem dará o direito de também ser um pai ou mãe de santo e abrir sua própria casa de candomblé ou outorga-lhes um cargo executivo, no sentido de desempenhar uma função específica, na organização. As ebômins elevadas a essas categorias executivas partilham, de certa maneira, da autoridade da mãe do terreiro, por seu consentimento e sob a sua constante supervisão. É um privilégio da liderança delegar poderes e fazer-se representar (LIMA, 2003, p. 81).

Existe uma categoria de iniciados que não manifestam o orixá, ou na linguagem de terreiro, não viram no santo. Os homens são chamados de Ogãs e as mulheres de Iyarobás.



Há vários tipos de ogãs, cada um com atribuições delimitadas: os alabês, que são os músicos que tocam os atabaques, instrumentos sagrados que propiciam a descida dos orixás ao mundo físico; o axogum é aquele que tem autoridade de utilizar a faca nos sacrifícios rituais; curujebó é aquele que leva os ebós que precisam ser arriados nas ruas ou fora da casa do candomblé; o pejigã é quem cuida da organização dos assentamentos de orixá, o elemaxó se encarrega dos objetos e do culto a Oxaguian. As Iyarobás também se dividem por funções; Iyateni cuida dos iaôs quando entram em transe, vestem e acompanham os orixás no salão na hora em que dançam; e a Iyabassê faz a comida dos orixás ou, ainda, pode ser encarregada de cuidar de um orixá em específico, ajudar o líder do terreiro na preparação dos rituais.

As Iyarobás também podem ser escolhidas pelo Babá para receberem títulos hierárquicos que venham a lhes constituir mais autoridade e poder no terreiro, podendo chegar a Iyakekerê – a mãe pequena da casa – ou Iyalaxé, a mãe do axé, estando abaixo apenas do pai ou mãe-de-santo. No Ilê Odé, a Iyakekerê é uma Iyarobá, iniciada ao orixá Oxum; foi indicada pelo orixá do pai-de-santo para esse posto. Esse cargo só deixará de ser ocupado pela mesma em caso de falecimento, ou seja, é um cargo vitalício como também o são: Babalorixá, Babalaxé (pai do axé), Iyaegbé (mãe da sociedade). Ogãs/Iyarobás têm seu orixá pessoal, mas nunca o manifestarão, ou seja, nunca entrarão em transe.

O ogã, em alguns trabalhos, aparece como uma figura que tinha certo prestígio social e podia contribuir para o bom andamento das atividades do candomblé, pois “as incursões policiais ocorriam tão inesperadamente e podiam ser tão violentas que era vital para os adeptos do candomblé ter amigos em muitos lugares” (LANDES, 2002, p. 74). A presença de ogãs jornalistas, intelectuais ou até políticos serviam para intimidar as invasões policiais. A presença dos ogãs, ainda nos fins do século XIX, foi assim comentada.

O ougan ou os ougans, porque cada confraria de um santo pode ter o seu ougan. São os responsáveis e protetores do candomblé. A perseguição de que eram alvo os candomblés e a má fama em que são tidos os feiticeiros, tornavam uma necessidade a procura de protetores fortes e poderosos que garantissem a tolerância da polícia [...] Os ougans têm obrigações limitadas e direitos muito amplos. Além da proteção dispensada devem fazer ao seu santo presentes de animais para as festas e sacrifícios. Têm direitos a cumprimentos especiais dos filhos de santo, a serem ouvidos nas deliberações do terreiro, a saírem todos os santos e o terreiro em seu favor, no caso que estejam ameaçados de alguma ofensa ou desgraça, etc. (RODRIGUES, 2005, p. 49).

Braga (1999) estudou a presença do ogã nos candomblés de Salvador. Ele lembra que, na época das invasões policiais aos terreiros, os ogãs desempenhavam o papel fundamental de negociação e mediação de conflitos entre os terreiros e o poder público ou sociedade. Em certa época, os mesmos foram escolhidos por conta de seu prestígio
e condição social para serem protetores dos terreiros. Embora ainda ocorra essa prática, isso não significa dizer que todos os ogãs são brancos ou possuam certa notoriedade na sociedade. Há muitos deles escolhidos também dentro do grupo social interno, como parentes do Babá, amigos dos filhos-de-santo ou até mesmo vizinhos. É freqüente a escolha do ogã que é membro da família biológica do líder religioso, sendo comum iniciação ainda quando criança. Também pode haver um caráter político para a escolha do ogã por parte do pai ou mãe-de-santo, a esse respeito Braga esclarece: A compreensão que se tem é de que parece existir uma necessidade de o líder se cercar de algumas pessoas de confiança a quem atribui, além das funções normais do cargo, outras tarefas do dia-a-dia que exigem grau maior de confiabilidade, como cuidar das economias pessoais e resolver outros tantos problemas específicos da comunidade religiosa. Alguns ogãs se fazem merecedores da confiança do pai ou mãe-de-santo, tornam-se confidentes e participam da vida íntima da comunidade religiosa, despertando o ciúme de outros que não desfrutam da mesma situação (BRAGA, 1999, p. 47).

No entanto, deve-se esclarecer, mesmo que a integração do ogã na estrutura funcional do terreiro tenha se dado, inicialmente, porque os líderes religiosos tinham interesse na participação de pessoas bem colocadas na sociedade, para defenderem o candomblé das ameaças e preconceitos da sociedade, isso não isentou esses participantes de suas obrigações rituais e de seu papel sagrado dentro do terreiro. O ogã tem status de autoridade, pode ocupar cargos de grande prestígio e poder na hierarquia. Prova dessa afirmação é o Terreiro Ilê Odé, casa onde o Babalaxé, ou seja, o pai do axé, da forçamotriz do culto – Rogério da Hora – é um ogã iniciado a Oxaguian e que, também, ocupou o cargo de Elemaxó, o responsável pelo culto e pelos objetos sagrados do orixá Oxalá o grande pai. O ogã Cristiano Aguiar, de Xangô Ogodô, é portador do título (oyê) de Sobaloju e, também, é responsável pela organização do culto a Xangô na casa do candomblé, bem como cuida dos objetos sagrados que pertencem a esse orixá e participa da organização de sua festa.

Na mais alta escala hierárquica estão os Babalorixás e Iyalorixás. Para tornar-se um Babá ou Iyá é necessário, um dia, ter sido um iaô. Só os filhos-de-santo rodantes, ou seja, aqueles que recebem o orixá, podem vir a ocupar essa posição, pois, “sem santo que se manifeste em transe, não há poder, autoridade, disciplina e, sobretudo, investidura no cargo de iniciador” (PRANDI, 1991, p. 175) Destarte, os pais e mães-de-santo viveram como iaôs e participaram por longo tempo das cerimônias rituais, antes que viessem a se tornar líderes religiosos. Segundo uma expressão do próprio povo de santo, “é preciso ter lodo na unha” para ocupar esse cargo; isso significa dizer que é necessário muito trabalho até chegar lá.



O líder do axé exerce autoridade sobre todos os membros da hierarquia. Ninguém faz nada sem que antes informe o que pretende fazer. Todas as vezes que alguém for levar uma oferenda para ser colocado no peji, levar a comida na casa de Exu ou qualquer outra atividade é necessário, antes, solicitar ao pai que coloque sua mão sobre a mesma.

Ao tocá-la, simbolicamente, se está concedendo poder para que a pessoa possa entregar aos orixás a oferenda.
É a mãe-de-santo, além disso, quem dirige efetivamente toda atividade da casa: as cerimônias públicas das grandes festas dos orixás maiores dos terreiros e os ritos privados que só os filhos da casa participam; o ossé semanal dos santos; a disciplina dos filhos e a economia do terreiro; os mecanismos de promoção e de mobilidade intragrupal e a assistência espiritual e material à imensa variedade de situações de crise e de necessidades de todos os seus filhos e suas famílias (LIMA, 2003, p. 136).

Na percepção de Lima, a autoridade da mãe se renova todos os dias no seu contato com os orixás, mas, nem por isso, é exercida sem que haja conflitos ou tensões. Mais uma vez, a dimensão política da organização faz-se manifestar; só o poder da divindade não é suficiente para manter a ordem. Além de bons líderes religiosos, os pais e mães precisam desenvolver habilidades de fazer alianças, cercar-se de pessoas que possam facilitar e/ou legitimar sua gestão, além de ter habilidade para se relacionar e fazer-se respeitar, ou seja, é necessário criar uma política organizacional que facilite a aceitação de sua autoridade.

Morgan (1996) sugere, como critério para análise da política organizacional, o foco nas relações entre interesses, conflito e poder: Ao se falar a respeito de interesses, fala-se sobre um conjunto complexo de predisposições que envolvem objetivos, valores, desejos, expectativas e outras orientações e inclinações que levam a pessoa a agir em uma e não em outra direção” (p. 153).

Essa proposição é válida também no candomblé. Observa-se no contato com o povo-de-santo que as pessoas vivem em dois universos paralelos: a vida no santo e a vida cotidiana do lar, do trabalho e da família. Ou seja, mesmo submetendo-se a viver uma realidade de restrições e obediência no candomblé, estando no terreiro ou fora dele, não é possível despir-se das concepções e interesses da vida material. Portanto, pessoas que possuem diferentes modos de vida e formas de perceber o mundo, convivendo num ambiente autoritário, hierárquico e cheio de mistérios como o mundo do terreiro, acabam, em algum momento, manifestando suas diferenças e conflitos de interesse.

O conflito aparece sempre que os interesses colidem. A reação natural ao conflito dentro do contexto organizacional é vê-lo comumente como uma força disfuncional que pode ser atribuída a um conjunto de circunstâncias ou causas lamentáveis. [...] Pode ser explícito ou implícito. Qualquer que seja a razão e qualquer que seja a forma que assuma, a sua origem reside em algum tipo de divergência de interesses percebidos ou reais (MORGAN, 1996, p. 160).

O desrespeito à hierarquia ou sua supressão representa um constante ponto de conflito na casa-de-santo, por exemplo: não pedir a bênção aos mais velhos, não fazer o cumprimento diferenciado às maiores autoridades da casa ou passar à frente de alguém que tenham maior idade de iniciação em alguma obrigação. No início do artigo,
quando se tratou da origem dos terreiros, foi citado sucintamente um exemplo crítico de conflito no candomblé: a fundação do Gantois, em 1849, só aconteceu porque Maria Júlia da Conceição Nazareth não aceitou ser preterida como a Iyalorixá do Ilê Iyanassô Oká, que fora herdado por sua irmã-de-santo. Sua dissidência culminou na fundação de sua própria casa de axé.

Outro exemplo de conflito extraído da pesquisa ocorre no Ilê Odé: a Iyakekerê (mãe pequena) da casa é irmã biológica do Babalorixá, foi iniciada por uma mãe-de-santo que conduzia seus rituais de forma diferenciada dos padrões herdados das casas tradicionais Ketu, como é o caso do axé Gantois e seus descendentes. Por conta disso, a mesma vem apresentando oposição e discordância ao andamento das atividades da casa, muitas vezes se ausentando das obrigações. É comum, também, haver divergências, mesmo que latentes, entre os recém iniciados e as autoridades da casa, por conta do processo inicial de adaptação à rigidez das normas da religião.

O poder nos terreiros, não se expressa, somente, na estruturação da divisão hierárquica e dos oyês (títulos). Pode-se observá-lo desde as representações simbólicas físicas – o poder objetivado –, até as maneiras com que pessoas se comportam na presença de outras, às quais têm uma relação desigual de poder. É possível distinguir quem tem mais poder pela roupa que veste, pelas contas que usa e, até mesmo, pela forma como se dirige aos outros membros do grupo. Alguns elementos possibilitam a percepção das expressões do poder no terreiro:


A SENIORIDADE

No terreiro, a idade biológica pouco importa; o que vale é a idade de santo, em que os mais velhos têm prerrogativas e direitos frente aos mais novos. “Toda hierarquia religiosa é montada sobre o tempo de aprendizagem iniciática, numa lógica segundo a qual quem é mais velho viveu mais e, por conseguinte, sabe mais” Prandi (2001, p. 54).

Quando se recolhe um barco de iaôs para iniciar os ritos de feitura no santo, que é o primeiro passo para se integrar à hierarquia, é obedecida uma ordem, e essa ordem será para sempre respeitada enquanto os componentes daquele barco fizerem parte do candomblé. O barco nada mais é do que o grupo de pessoas que passam juntas pelos ritos iniciáticos. “O ilê axé é composto por uma hierarquia baseada na idade iniciática.

Esse valor da antiguidade da iniciação caracteriza as diferenças de poder e status entre os irmãos” (LUZ, 1995, p. 534).

Após o período de reclusão, haverá uma cerimônia pública, na qual os orixás, incorporados em seus iniciados, irão em público gritar seu orunkó (nome) no barracão. A partir daí, eles serão chamados dentro do grupo pela ordem de entrada na camarinha em que passaram pela iniciação e pela mesma ordem na qual serão apresentados ao público na saída: o primeiro é o dofono; o segundo dofonitinho; o terceiro fomo; o quarto fomutinho; o quinto gamo; o sexto gamotinho; o sétimo domo; o oitavo domutinho; o nono vito e o décimo vitutinho. Luz (1995, p. 533) elucida: “Para os sacerdotes, antiguidade significará posto, isto é, espaços específicos para o exercício das qualidades e atributos do seu axé”. A respeito desse princípio, afirma Vivaldo:

Esse princípio, já foi dito, é válido na estrutura do próprio barco, em que o dofono é sempre o mais velho do que os outros irmãos do barco, e o segundo mais velho do que o terceiro, este mais velho do que o quarto, e assim sucessivamente.

Pequeno ou desprezível que pareça o tempo de diferença em termos de duração mensurável, esse intervalo no candomblé possui um sentido que está para além das dimensões convencionais do tempo (LIMA, 2003, p. 78).

O CONHECIMENTO

É “o tempo de santo” que confere a sabedoria – o maior dom que uma pessoa pertencente ao Candomblé pode receber. De alguém do candomblé que sabe, diz-se “Ela sabe”. Pode entrar e sair de qualquer Terreiro, “sem fazer vergonha”, como se diz no Candomblé, a vergonha é não saber. Saber, no candomblé, significa ser capaz de participar com perfeição, seja nos atos mais simples como a recepção de alguém no Terreiro, seja na preparação de tudo que é necessário para a realização de um rito, ou seja, ainda, ser capaz de receber seu próprio orixá ou preparar os outros para sua recepção (SIQUEIRA, 1998, p. 202).

Trata-se, aqui, do conhecimento ritual, ou na linguagem do povo de candomblé – “os fundamentos”. Esse conhecimento é transmitido oralmente e pela participação nas obrigações no terreiro, em que os mais velhos vão ensinando os mais novos como fazer as comidas votivas, os ebós, os cânticos e as danças. “Os ebômis são os que sabem, porque são mais velhos, viveram mais, acumularam maior experiência. Sua autoridade é dada pelo conhecimento acumulado, que pressupõe saber maior” (PRANDI, 2001, p. 54).

Para deter esse conhecimento é preciso, antes, viver a religião e demonstrar compromisso e humildade para que os ebômis o transmitam. Destarte, quem possui esse conhecimento detém um poder acumulado ao longo dos anos. “Conhecer e saber, nesse contexto é experimentar, sentir, vivenciar. Não há separação estanque entre vivido e concebido, saber é fazer e fazer é saber” (LUZ, 1995, p. 574). Ou como diz Prandi (2001, p. 55): “Saber é poder, é proximidade maior com os deuses e seus mistérios, é sabedoria no trato das coisas de axé, a força mística que move o mundo, manipulada pelos ritos”.

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Babalorixá Oríosè

Asé!


fonte: Cadernos do Sep Adm - n° 3 – 2006